quinta-feira, 7 de março de 2013

DIÁLOGO CÁLICE - CALE-SE


Com grande satisfação que publico aqui um texto de Matheus  Bandeira Preto que foi inspirado no meu poema "Cálice".

Fico feliz de saber que meu trabalho tem sido fonte de inspiração para meus colegas riograndinos e espero, sinceramente, que meus demais colegas e leitores gostem do que resultou deste diálogo entre textos.

O texto de Matheus vem por último justamente para demonstrar a intensidade do que ele sentiu. 

Mais uma vez, Matheus, obrigada por proporcionar este encontro.

Boa leitura a todos.

Cálice


E tu
        tu lanças essas palavras infames ao vento
        que reverberam em meu rosto
        como a tempestade que bate em meu corpo
                  inclementemente

A chuva golpeia as vidraças
A porta bate por causa da ventania
                  dolorosamente
enquanto raios e trovões retumbam no espaço

O temporal acossa meu corpo encharcado
Fico aqui de braços abertos sentindo em mim
a tormenta daquilo que nunca acaba

As palavras gritam seus ecos em meus ouvidos
que os acolhem sedentos mesmo constrangidos
Meus olhos fechados viajam no tempo
Minhas mãos tateiam as gotas escorregadias
capturando-as sem as aprisionar

Então grita
                  Grita esses vocábulos de água e fogo
                  que vergam minha vontade
         
O veneno já foi difundido em minhas veias
O trovão impele tua ânsia escondida

E eu
        eu apenas beberei o cálice dulcíssimo
        das volições amortecidas.

Cale-se (Matheus Bandeira Preto)


Não seja leviano com as palavras, não jogue em mim a raiva que sentes, quem sabe, de outras pessoas ou que estejas sentindo agora. Não me culpes por tudo. Não cuspa em mim esse ódio mortal, pois não tenho escudo para me defender e sei que serei afetada por ele. Sim, eu vou escutar tudo o que teimas em gritar aos quatro cantos, aos quatro ventos, às rosas dos ventos, para o universo todo ouvir. Só não me peça que fale algo depois de tudo, pois, assim como tu, estarei e já estou, para ser sincera, com raiva, também, e se o fizer, seremos dois loucos gritando desesperadamente sem chegar a nenhum consenso. Pode falar. Me agrida. Me usa como qualquer adjetivo: louca, irresponsável, perua, vagabunda, traidora e eu sempre soube e continuarei sabendo que me amas e que estas palavras que me golpeiam feito socos no rosto são apenas palavras, como tempestades que molham, que alagam, mas depois passam.


terça-feira, 5 de março de 2013

CONSEQUÊNCIAS

-Sim, eu vi quando tudo aconteceu. Foi uma coisa estúpida, sabe?  Parecia que, de repente, tudo virou do avesso. Foi horrível.

-Eu entendo, sr., sr... Como é mesmo seu nome?

-Eu não sei se devo dizer. Ainda estou apavorado.

-Compreensível diante da situação, sr. Mas, se o sr. deseja que tudo seja averiguado, precisamos primeiramente identificar o sr., tentar localizar as provas que o sr. enviou ao seu amigo, enfim, as coisas de praxe.

-As coisas de praxe. Olha só, estou cansado das coisas de praxe! Eu tentei avisar todo mundo, inclusive alertei as autoridades de lá e ninguém quis me ouvir. Eu fui torturado cara. Torturado até quase morrer! E tu vem me falar das coisas de praxe?

Suspiro. O ouvinte se recosta na cadeira e assume sua cara de mais profunda compaixão.

Erro terrível. Quem tem compaixão tende a se aproximar fisicamente da pessoa ferida, debruçando-se sobre a mesa, olha em seus olhos, ou os baixa em reflexão e sempre, sempre, usa a primeira pessoa para demonstrar que é um ser humano como o que está em sofrimento.

-Sr., como eu disse, estamos aqui para ajudá-lo. Entendemos sua situação, somos solidários, por isso estamos escutando a sua história, apesar dela parecer fantástica demais...

-Tu está me dizendo que eu inventei tudo isso? Que eu sou psicótico ou coisa parecida?

A agressividade do interrogado parece aumentar com essa frase, fazendo o ouvinte encolher-se um pouquinho na cadeira. 

Outro erro fatal.

O interrogado vai captando todos esses movimentos imperceptíveis e as pequenas reações que transparecem no rosto do homem a sua frente. Ele já sabe que não vai obter ajuda aqui.

"Provavelmente eles foram informados da situação. Estão me mantendo aqui apenas para dar tempo para os outros chegarem", o interrogado pensa rápida e alucinadamente. "Eu tenho que sair daqui com urgência. Tenho que encontrar o Cris. Só ele vai me dar ouvidos".

-Sr., acalme-se, senão não conseguiremos ajudá-lo. Vamos fazer o seguinte: vou trazer um café para o sr tomar e deixá-lo refletir por cinco minutos. Um descanso será bom para o sr.

Ele balança a cabeça em concordância. Está muito cansado, mas seu cérebro está trabalhando a mil para encontrar uma saída dali.

"Bem que eu poderia deixar eles me pegarem. Acabar com essa droga de uma vez". Ele pensa em meio ao sentimento de desesperança que vai tomando conta de si.

"Mas ai... ai eles irão vencer. Muita gente poderá acabar morrendo. Não, não posso concordar com isso".

Então ele tem uma ideia. 

-Em vez de café, não pode ser uma coca? Faz um tempão que não tomo uma. Pode ser de um litro? 

-Não temos coca aqui na Delegacia sr. - argumenta o investigador.

-Puxa, tu mesmo falou que eu preciso de um descanso. Quem sabe algum colega pode comprar naquele bar imundo que tem ali na esquina. Não me importo. Só preciso desse favor, companheiro, depois disso acho que vou conseguir falar melhor. - Ele argumenta com ar de súplica.

O investigador o observa. Ele descansa a cabeça nos braços apoiados na mesa a sua frente e suspira.

O policial o observa, pensativo.

-Ok. Vou providenciar, sr. Creio que isso vai ajudá-lo mesmo.

E sai da sala devagar.

"É agora", ele pensa. "Assim que ele se afastar, eu saio da sala e sumo daqui".

Então ele houve o estalo da chave trancando a sala em que se encontra.

"Não acredito. Só em filme isso dá certo mesmo." Ele pensa indignado com sua própria estupidez. Acaba deitando a cabeça novamente nos braços. Está conformado. Se tiver que morrer, que assim seja. Parece que a UTMIB consegui vencê-lo. 

O cansaço faz com que ele adormeça rapidamente.

Ele acorda sobressaltado ao escutar um barulho na porta. "Ele já voltou? Agora estou ferrado".

Mas ao olhar ao redor, com os olhos pesados e anuviados pelo sono, ele não vê ninguém. A porta continua fechada. Ele suspira.

É quando percebe um casaco surrado e com capuz sobre a mesa e ao lado um bilhete, rascunhado rapidamente e quase ilegível. 

Uma breve frase trêmula, num papel amassado:

"Fuja. Agora!"

Ele pulou da cadeira.

-Mas quem... - ele falou em voz alta. Decidiu pensar nisso depois. Se aproximou da porta rapidamente. Testou a fechadura e puxou a porta alguns milímetros. Ela estava destrancada.

"Se alguém daqui está me ajudando é porque realmente estou em perigo." Abriu uma fresta e espiou para fora. Ninguém no corredor. Um silêncio sepucral no lugar.

Fechou a porta. Enfiou o bilhete no bolso da calça de brim surrada. Não ia deixar pistas que pudessem levar a quem quer que seja que estivesse bancando o bom samaritano. Vestiu o casaco velho e mal cheiroso o mais rápido que seu corpo dolorido permitiu. Abriu a porta mais um pouco e olhou para os dois lados do corredor.

Deslizou para fora da sala e fechou a porta atrás de si. Reparou que havia uma chave na fechadura. Percebeu que deveria trancar a porta antes de ir, o que fez em menos de dois segundos, colocando a chave no bolso do casaco. Não percebeu que o mesmo estava furado.

Percorreu o corredor em poucos segundos. Quando chegou ao final do mesmo olhou para a sala onde ficavam várias mesas, onde os policiais atendiam as pessoas que se dirigiam a Delegacia.

Havia um pequeno caos no local. Alguém dizia que o Arquivo estava pegando fogo. Alguns policiais começaram a correr para o local, acionaram o alarme de incêndio e pediram para as pessoas que estavam aguardando atendimento saíssem para a rua com calma e ordenadamente.

Ele colocou o capuz sobre a cabeça e se juntou a um pequeno grupo que estava perto do local onde estava e saiu do prédio o mais discretamente que pode.

Dirigiu-se para a saída do pátio da Delegacia. Alcançou a rua em poucos e suados passos. Estava por demais amedrontado e nervoso.

Quando se viu a meia quadra do prédio da polícia, dobrou numa rua de aspecto sujo e suspeito. Era uma das ruas dos bordéis da cidade do Rio Grande. Começou a correr o mais rápido que podia. Felizmente Cris morava a poucas quadras dali.

Enquanto isso, o investigador, que teve que caminhar mais do que gostaria para comprar a coca, chegou a delegacia e viu os resquícios do caos causado pelo aviso de incêndio.

-Mas o que está ocorrendo aqui? - gritou para ser ouvido.

Um policial militar gritou que havia sido um falso alarme de incêndio. Ainda estavam tentando descobrir o que tinha acontecido.

Ele deixou a garrafa de coca cair no chão. Ela se quebrou em mim pedaços. Era uma daquelas raras garrafas de vidro. Quem mandou ser tão metódico em atender o pedido do interrogado?

-Droga. - ele falou entre dentes. Saiu correndo em direção a sala onde tinha deixado o homem estranho.

Testou a porta. Estava trancada. Encostou o ouvido nela. Nada se ouvia do outro lado.

"Deve ter dormido", pensou aliviado. Resolveu retornar a sala principal e deixar o cara descansar mais um pouco para recomeçar o interrogatório.

Foi quando ele viu um pequeno objeto quase no final do corredor. Abaixou-se e o pegou. Era uma chave. Fechou os olhos com força. Não podia acreditar.

Voltou a porta da sala. Enfiou a chave na fechadura e deu a volta. A porta foi destrancada. Ele abriu de supetão. O local estava às moscas.

O investigador saiu correndo em direção a sala de atendimento.

-Cadê o cara que estava na sala 2B? - Perguntou para o policial militar que havia contado sobre o incêndio.

-Que cara? - perguntou o PM abobado ainda com tudo que estava ocorrendo.

-O cara que eu estava interrogando. Na sala 2B. Tu sabes, nós pegamos ele ontem a noite. Cadê ele?

-Ué. Está na sala, com certeza. - respondeu o PM.

-Não, não está. - arfou entre dentes o investigador, mostrando a chave. 

O policial apenas encolheu os ombros como se dissesse: "Então não sei". E se voltou para os colegas que estavam conversando sobre os fatos ocorridos na Delegacia.

"Incompetentes", pensou o investigador mais ambicioso daquela Delegacia de Policia, enquanto se dirigia para um dos telefones sobre uma das mesas.

Discou um número que tinha mentalizado. Quando atenderam do outro lado, ele disse:

-Ele conseguiu fugir. - o investigador ouviu várias ofensas do outro lado, bem como um aviso para que encontrasse o cara o mais rápido possível, senão ele já sabia.

-Pode deixar. Vou resolver isso com rapidez. E outra coisa. Ele fugiu com a ajuda de alguém aqui de dentro. Não tenho certeza, mas acho que sei quem é.

Ouviu por mais alguns segundos.

-Pode deixar. Vou resolver isso agora mesmo.

E desligou o telefone. Agora Clara estava na lista negra do policial civil José Gomes.







ALERTA URGENTE

"Agora estou em Porto Alegre. Consegui sair de Rio Branco, cidade do Uruguai que faz fronteira com o Brasil, com muita dificuldade. Não há como descrever nem fazer alguém acreditar no que está ocorrendo naquele fim de mundo. É horrível demais para explicar num relato breve no Facebook.

Mas alguém precisa dizer a verdade. E a verdade está em Rio Grande. Bem que eu senti uma coisa estranha quando sai da city de férias.

No entanto, as repercussões vão além da imaginação convencional e quando eu contar o que aconteceu, o que vivi, tenho certeza que 'eles' irão tentar me pegar. Tenho quase certeza que irão conseguir isso, mas o dossiê já está preparado e em lugar seguro. Só espero chegar a tempo a Rio Grande, antes que a história de Rio Branco seja distorcida ou 'eles' consigam abafar o caso.

Deus, só de lembrar o que eu vi acontecer com as pessoas em Rio Branco, meu estômago já fica embrulhado. Ainda não acredito que consegui escapar praticamente ileso. Mas acho que nunca mais vou irei dormir.

Vou encerrar agora, estou ouvindo passos apressados pelas escadas deste hotel de quinta categoria em que me refugiei na Capital. Espero que não sejam eles. Agora os passos estão mais cautelosos, estão se aproximando da porta do meu quarto.

Ouço vozes abafadas.

Estão forçando a porta.

Preciso enviar isto para alguém rápido.

Se alguém ler isto, por favor, investigue. Alguém precisa contar o que a UTMIB está fazendo em Rio Grande".

Alguém mete o pé protegido por uma botina na porta e quebra a mesma, entrando no quarto e gritando com o rosto escondido atrás de uma pistola:

-Tu aí? Afasta as mãos do computador. É uma ordem!

Ele aperta uma tecla do notebook e envia a mensagem acima e um arquivo encriptado para sua lista de emails.

-Hein, cara, tu não ouviu? Não aperta mais nenhum botão dessa porcaria, senão...

Ele clica no botão do programa que instalou para apagar de vez a HD de seu note.

-O que foi que eu disse pra tu não fazer?

E foi quando ele viu tudo se apagar.

domingo, 3 de março de 2013

MONTANHA AZUL

Aguenta o quanto podes
                 ou não.

Aguenta a água fervendo que escorre da montanha azul
Cara é só mais uma nuvem que desaba sobre ti
                                          então aguenta.

Enfrenta a vertigem que te consome
porque ela é poderosa, irrefreável
                       mas é só tontura
Portanto, suporta.

Carrega a lança que te atingiu o lado esquerdo do peito
Cara é só mais uma ferida que sangrou e supurou
     agora somente existe a cicatriz

A dor é fantasma que atormenta e ensandece
mas a arma está nas tuas mãos
com ela tu protege ou arremete
                             então prossegue.

A montanha azul brilha sobre a estrada tortuosa
tu ainda sonha com o passado
                     esquece.

A azulada montanha derrama sua vertente
queima tua pele e te persegue

Arremessa lanceiro tua arma
distorce a sombra que queimou tua consciência
parte em duas a estrada que te fez perder
              o futuro.

O vento uiva sobre tua cabeça
a lua está pálida em seu êxtase
a vida se curva e cai de joelhos

Arremessa guerreiro com mais pressa.