Esse
corpo
Esse
corpo sobre a mesa de necropsia
Esse
corpo amorfo
repleto
de formol
há muito
já não é do cadáver
mas
também não é teu
Mesmo
assim
tu o cortas
tu o saqueias
tu o dissecas
tu o partes
para
completar teu treinamento
embora
nem sempre
acabes
salvando o corpo dos vivos
que te
buscam no posto ou no hospital
Esse
corpo que tão calmamente cortas
e de onde
escoa
[se é que ainda escoa]
um sangue
coagulado
esse
corpo um dia
já foi gente
já sentiu
já amou ou odiou
já viveu
Agora
está morto mas
não é teu
nem meu
nem dele
É de
ninguém
pois quem
quer o cadáver abjeto do indigente
que
perambulava pelas ruas
[bêbado ou drogado ou apenas enlouquecido]?
Perambulava
e se
vivia era porque respirava
Somente
isso
Já estava
morto há muito
Já fedia
e repugnava
Já sofria
a decomposição da morte em vida
porque
não era mais reconhecido
Esse
corpo sobre a mesa de necropsia
só é útil
para o microscópio
pobre
defunto perdido
Já era
anônimo
E depois
da utilidade prosaica para teu bisturi
cairá
numa cova rasa onde até o tempo o esquecerá.