Hoje vou falar de Joana.
Joana terminou o ensino fundamental e o ensino médio. Trabalhou por um tempo como vendedora numa loja de sapatos. Por mais que ela amasse essas maravilhas, que enfeitam os pés femininos, e comprasse um par por mês, ela não era boa para efetuar vendas.
Foi demitida três meses depois.
Mas Joana precisava trabalhar, então, foi contratada como caixa operadora num supermercado, primeiramente através de um contrato de experiência. Depois, como conseguia ser mais eficiente nesta função do que na primeira, foi contratada definitivamente. Além do que, ela era bonitinha, disse alguém da supervisão.
Esse era um trabalho estafante, mais que escravo. Mas ela aguentou as pontas e as reclamações, muitas vezes infundadas, de clientes e supervisores, principalmente de um deles, chamado Antônio, que vivia pegando do pé dela, apesar deste ser aquele que disse que ela era engraçadinha.
Antônio reclamava de Joana acintosamente, não porque ela fosse demorada no atendimento dos clientes, chegasse atrasada, ou tentasse sair mais cedo.
Joana era realmente trabalhadeira.
O supervisor a incomodava porque Joana não queria sair com ele para jantar e, muito menos, para uma esticada até o apartamento sala-cozinha de Antônio.
Ele tinha raiva dela porque ela o rejeitava.
Joana tinha nojo dele porque ele gostava de se aproveitar das funcionárias, ao menos de algumas, porque sempre havia aquelas que topavam qualquer coisa, inclusive sair com um cara esquisito como o Antônio.
Mas Joana precisava do trabalho. Então, aturava o carrasco do supervisor, procurando impor respeito. Afinal, ela ainda deixaria aquele trabalho sem remuneração digna, por mais de 8 horas diárias, sem direito a um intervalo decente para almoçar ou para ir ao banheiro.
Então, neste ano de 2013, Joana resolveu tentar o ENEM para uma profissão comum, mas importante. Queria ser professora. Era seu sonho de menina da periferia. As colegas de trabalho riam dela e tentavam fazer Joana aceitar as investidas do Antônio.
Afinal, porque se matar estudando, se um cara qualquer podia sustentá-la?
Mas ela preferia não viver assim. Joana queria uma vida decente, com uma profissão decente, que fosse importante para ela e para outros, mesmo que a maioria da população não reconhecesse isso. Além disso, o asco pelo supervisor era muito grande, porque ele parecia um maluco enrustido. Contudo, ninguém acreditava em Joana.
Ela passou no Enem, com muita dificuldade, mas passou. Foi para o serviço feliz e contou para as colegas, que deram os parabéns com inveja e deboche entrelaçados como serpentes nos ninhos.
Antônio ouviu e ficou irado. Mas guardou seu rancor para si. Durante o expediente ele convidou Joana mais uma vez para sair. Ela rejeitou o convite e ainda mandou o supervisor pastar.
Joana já estava cansada daquele assédio para o qual os demais superiores do supermercado faziam vistas grossas e não se importavam em por um fim. Antônio ameaçou demiti-la. Ela disse que já não se importava, que já tinha coisa melhor em vista.
Antônio se afastou da caixa operadora cheio de uma violência que deixava seus olhos vermelhos. Não falou mais com a guria durante o expediente.
No final do dia Joana já estava preparada para a demissão, mas não foi chamada no escritório para tratar do assunto. Saiu do supermercado meio aliviada, afinal ainda precisava do trabalho.
Quando chegou na esquina, onde a luz do poste estava queimada, sentiu seu braço ser puxado e encarou um par de olhos vermelhos de ódio.
Era Antônio.
Ele a puxou para um terreno baldio e fez o que bem entendeu com o corpo da Joana. Depois a matou. Estrangulada. Ficou chorando ao lado do corpo até que a polícia chegou e o levou para a Delegacia.
As colegas de trabalho foram chamadas para responder perguntas desnecessárias, afinal as provas demonstravam claramente o que tinha ocorrido.
Mas as colegas, seja por inveja, seja por desprezo, disseram que Joana era uma devassa, que vivia provocando o coitado do Antônio, que era casado e fiel a esposa, até que ele não aguentou e fez a barbaridade que fez, mas, coitado, tinha sido atormentado por mais de um ano, até enlouquecer.
A polícia, certamente, indiciou Antônio, que era primário, tinha emprego, família e moradia. Foi sentenciado a pena de prisão em regime fechado, mas em seguida progrediu de regime e passou para o semiaberto. Voltou a trabalhar no mesmo supermercado onde continua atormentado uma ou outra funcionária mais medrosa.
Joana foi enterrada num caixão dos mais baratos. Não tinha pai e a mãe acreditou que a história que as colegas de trabalho contaram na Delegacia sobre sua filha era verdade.
“Afinal, quem mandou uma guria de família ir morar sozinha? Quem mandou ela não se casar e ainda querer fazer faculdade? Só podia acabar assim mesmo”.
É que a progenitora de Joana costuma comentar com as vizinhas, na vila em que mora há mais de 30 anos e onde sua filha cresceu.