NOVO ESPAÇO CULTURAL: Deus não usa réguas!
*Por Glênio Freitas Jr.
Cresci admirando o meu avô, alfaiate dos bons, tido, inclusive, como um dos melhores da cidade. Era um grande artista, na verdade! Homem de poucas palavras, mas quando as usava o fazia com retidão e certeza.
Entre tantos outros, ele costumava repetir um dito que guardo em minha memória: “Deus escreve certo por linhas tortas!” No meu imaginário infantil eu pensava: “Porque Deus não usa régua?”.
Depois, pouco a pouco fui percebendo que a vida se desenha e redesenha sem linhas retas. Até mesmo as réguas do meu avô alfaiate, a quem sempre tive como um artista, eram curvas!!!
Estas lembranças afloraram em minha memória no dia em que visitei o prédio da Prefeitura Municipal do Rio Grande, recém-reinaugurado, após passar por longo processo de restauração. Como é sabido de todos, o Paço Municipal foi acometido por um severo incêndio em abril de 2006 e ficou parcialmente destruído. Apenas em 2009 começaram as obras de restauração que se viram conclusas agora no mês de dezembro.
No dia 06 de dezembro deste ano, o prédio restaurado foi entregue a comunidade riograndina e para surpresa de todos o andar térreo, outrora totalmente compartimentado e utilizado por vários setores da administração pública, tem agora seus amplos salões destinados a espaços culturais.
Fui tomado por uma grata surpresa ao ver o quanto se valorizou a arte e a cultura na destinação do uso deste prédio, após a restauração. Moro em Rio Grande há 32 anos e, desde que aqui fixei residência, nunca tinha visto uma interferência com tanto impacto no segmento da arte e da cultura no município que me acolheu.
Aliás, recordo das iniciativas boas, porém, desconexas e esparsas em que o Executivo Municipal implementou ações em prol da arte e da cultura de Rio Grande. Uma delas foi a adaptação do prédio histórico que fora sede da Câmara de Vereadores, situado na esquina das ruas Marechal Floriano e Cel. Sampaio, transformando-o no Centro Municipal de Cultura Inah Emil Martensen. Esta intervenção, que representou um grande passo na época, embora chamada de restauração, resumiu-se a uma reforma orientada. Afirmo com conhecimento, pois participei no processo.
O prédio construído em 1914, em estilo eclético, possui uma grande beleza histórica e cultural, sendo muito propício para abrigar um centro cultural, embora sua localização seja muito desfavorável pelos motivos que os riograndinos conhecem.
O local abriga a Galeria Municipal de Artes, o Núcleo de Arqueologia, e a Sala Abeillard Barreto, que é uma sala ampla para apresentações. Também compunham a estrutura do Centro Municipal de Cultura a Fototeca e a Pinacoteca, que, assumindo identidade própria, foram agora transferidas para os novos salões do prédio da Prefeitura, ganhando posição de destaque no cenário das artes e cultura do Município do Rio Grande.
Com a transferência da Pinacoteca e da Fototeca, os espaços remanescentes passarão por processo de reforma e em breve o Centro Municipal de Cultura Inah Emil Martensen será revitalizado, com novos espaços para oficinas de arqueologia e de artes e mais espaços próprios para exposições fotográficas, de esculturas e de pinturas.
É claro, que estamos falando de uma proposição, posto que todos temos ciência de que a gestão pública está mudando em poucos dias e ainda não se tem um compromisso firmado por parte do próximo prefeito e secretário de cultura quanto a continuidade desta proposição.
Outra efeméride no avanço cultural de Rio Grande foi a recuperação e adaptação do prédio do Cine Teatro Avenida, situado na Av. Major Carlos Pinto.
O prédio que hoje possui acomodações para 400 espectadores, foi originalmente construído para abrigar um cinema e posteriormente, por interferência judicial, foi obrigado a adaptar-se para receber o teatro municipal. Hoje, a função de cinema deixou de ser preferencial e só as atividades de teatro e afins são ali desenvolvidas, e em função dos poucos espaços disponíveis na cidade acaba se transformando num ente referencial na cultura local, dando guarida para diversos espetáculos como peças teatrais, apresentações, shows e outras atividades do segmento.
Os próprios responsáveis pelo teatro admitem que, apesar das frequentes obras e reformas, o prédio que foi construído no ano de 1929, ainda não possui a infraestrutura necessária e suficiente que lhe possibilite fazer parte do circuito nacional de peças teatrais. Quiçá a próxima administração aloque recursos financeiros para que este anseio se concretize.
As obras mais recentes dotaram o prédio de um moderno sistema de climatização favorecendo o conforto dos usuários, e uma interferência significativa foi realizada no hall de entrada do teatro o qual após as reformas passa a compor um novo espaço para realização de atividades que não necessitem de um palco. Um ambiente acolhedor próprio para exposições e mostras, multiplicando a funcionalidade do prédio.
Mas, retornando ao prédio central da prefeitura, que agora possui o seu pavimento térreo todo voltado para as artes e cultura, pensei: “Opa! Novos e bons tempos! A cultura começa a ser valorizada em Rio Grande!”
Não satisfeito apenas com o que meus olhos me mostravam, procurei maiores informações com os servidores do local, até que em conversa com uma senhora, que demonstrou alegria pelo meu interesse e conhecimento bem superior ao que eu esperava, informou-me que a destinação de espaços culturais no pavimento térreo do prédio foi decorrência de exigência do ente financiador do projeto de restauro, posto que o Município utilizou a Lei de Incentivo à Cultura como meio para concretizar tão bela obra.
Foi neste momento então que percebi que a cultura chegou a Rio Grande através de um viés bem diferente daquele que nós esperávamos. . .
. . . mas, como sempre disse o meu bom e velho avô:
- “Deus escreve certo por linhas tortas!”
*Sou Glênio José Barreto de Freitas Jr., engenheiro civil e de segurança do trabalho por vocação, fotógrafo por paixão. Neto de alfaiate e filho de radialista, sempre gostei de tudo ligado às artes, embora minhas habilidades nunca me deixassem passar dos rabiscos nos desenhos e, atualmente, do hobby da fotografia. Porto-alegrense de nascimento, mas riograndino por adoção, atuo no setor público desde o começo de minhas atividades laborais, as quais eu iniciei ainda durante a minha formação profissional.
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