Saiu, como de praxe, às 7h45min. Ia
ouvindo uma música que não era da sua terra, mas que combinava com o clima. Ar
frio, pouco sol, respiração produzindo fumacinha pela boca, ao entrar em
contato com a atmosfera, nariz molhado.
Era inverno na cidade gris, um
inverno como há muito não se sentia.
Estranho como o blues sempre fazia
com que sentisse saudade da cidade em que morava, mesmo estando nela. Dava a
sensação que ali era um canto onde todos podiam aportar e, mesmo assim, não
seria possível permanecer por muito mais do que um século.
Essa era a duração dos sentimentos
que todos desenvolviam em Rio Grande, como se tudo ficasse parado e movimentado
ao mesmo tempo.
A pessoa parecia reproduzir-se no
tempo, diversos clones de si mesmo, perambulando em diferentes estágios temporais,
saindo sem sair, ficando sem ficar, partindo sem ir embora.
“É como um espelho ao contrário”,
pensou, “essa cidade me deixa assim, com essa coisa esquisita de que eu já fui
e voltei, mas não. Será que ainda estou de costas?”.
O blues repercute no coração. Sente
falta de andar por Big River à noite, embora tenha feito isso ontem, ontem
mesmo, ontem apenas.
“Tu não tem medo de andar a pé?”
“Tenho, claro. Mas não é possível
evitar. A cidade me chama de vez em quando, como fazia quando eu era
adolescente. E não é porque eu tenho coragem. Não. Ao contrário, a covardia que
sinto é que me faz agir dessa forma perigosa.”
Cruza com pessoas pelas ruas úmidas
que estão travando um combate com o sol mais forte que começa a surgir entre
nuvens de cerração. Pessoas muito agasalhadas, com mantas, sobretudos, lãs e
toucas, encolhidas com a respiração fria que vem dos pampas.
“Elas esqueceram como é frio aqui.
Será que todos esquecem afinal?”
A música desliza por seu pescoço,
bate no peito e volta ao cérebro. A vontade de caminhar aumenta, mas acaba
chegando ao seu destino.
Levanta brevemente a cabeça em direção
ao sol. Quer ‘lagartear’ um pouquinho ainda, antes de enfrentar os desafios que
existem em viver nessa cidade de cais, mares, lagunas e ventanias estranhas.
Sente a batida do blues, o sol lhe
dá uma inspiração breve para alguma coisa ainda indefinida. Sente algo parecido
com bem estar, apesar de estar congelando.
Fecha os olhos para
saborear a sensação. Nunca mais sentirá o coração tão leve.
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