domingo, 28 de abril de 2013

A GALÉ DO AFORTUNADO


A miséria...
A miséria acompanha os passos trôpegos dos inquilinos desta história.
As cancelas foram abertas por um expert crente que sua sanidade é maior que a dos demais seres.
A miséria desandou por entre as colinas e soterrou a prudência de quem julga aqueles que digladiam por fatos derradeira e fatidicamente cotidianos.
“Vigia! Quem és tu que dizes que velas pelos desvalidos, mas não vês as lamúrias de quem anda por esta estrada deserta?”
De uma viela surgem olhares lacrimejantes, enquanto os corpos prisioneiros são arrastados ao desabrigo da tempestuosa distância de quem acredita que sua verdade é suprema.
Os miseráveis e os dementes nunca serão ouvidos, mesmo quando não mentem.
“Vigia! Quem és para julgar outra mente quando tu a tem tão imprudentemente desprovida da experiência de além das trincheiras que te protegem das ruas?”
Verdugos cambaleiam no convés da galé, empunhando seus chicotes e amarras.   Quem são os que a miséria açoitará?
“Vigia! Tu és o afortunado, mas tua práxis te torna um dos celerados. Que decisão tua realmente poderá salvar o desgraçado?”
Remam, mutilados, os decadentes entes que proliferam nas vias e parques da cidade gris. Destituídos covardemente de afeto e segurança, buscam o consolo inexistente nos afagos da chuva ácida e triste que desaba de abrigos de papelão capengas e estapafúrdios. 
E gritam confusos e embrutecidos: “Vocês não nos protegerão!”
“Vigia! Tu já não devias dormir! Tua culpa sangrará das chagas nos teus pulsos, que nem o tempo, nem a morte poderão curar!”

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