sexta-feira, 22 de maio de 2015

O BAILE

O dia está chovendo hoje.

Ela escuta músicas suaves para acalmar sua mente rodopiante. Sentada no tapete de sua pequena sala sorve o mate que lembra todos os chamamés que dançou, mas não a saciaram.

Ontem, só faltou a valsa para derreter totalmente o aço que estava comprimindo seu coração há um século. Por algumas horas conseguiu esquecer quem era e viver apenas a fração de cada um dos compassos que marcava com seus pés, em geral gastos pelas andanças rotineiras de sua vida.

Notas musicais são as chaves das celas públicas que te prendem, pelo menos de vez em quando.

No meio disso tudo, no entanto, vez por outra saltava aguda a sensação da ausência de algo que não pode tocar. Mais uma vez teve ao menos o consolo de sua imaginação fértil, que supriu a carência sentida. 

Dançou com a imagem que desenhou nas paredes.
Sim, dançou para essa ausência. Fechou os olhos e acreditou que todas as figuras, as trocas de mãos, as inversões de passos, os cruzamentos de pernas eram realizadas, com perfeição, não apenas para sua alegria, mas para satisfazer a presença ausente que a observava das sombras.

Dançou até sozinha, como se dançasse com quem queria.

Voltou para casa exausta. Pernas doloridas, braços dormentes e com o desejo de saber o que pensaria de tudo aquela sombra que somente ela conseguia pressentir.

De fato, hoje está chovendo o dia. O mate esfria na cuia e, estranhamente, é uma música country que ressoa no ambiente, lembrando-a de que, como de hábito, alguns de seus sonhos talvez nunca possam ser concretizados.

Enquanto isso, esse sentimento ausente, que ela não sabe bem dizer o que é, sussurra em seu ouvido:

"Relaxa, falta pouco para voltarmos a bailar".