tag:blogger.com,1999:blog-45251094220481941512024-02-21T09:42:40.357-08:00Br392Onde o caos mostra sua cara de normalidade.
Unknownnoreply@blogger.comBlogger81125tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-48038048415460833592016-02-27T15:22:00.000-08:002016-02-29T09:19:23.411-08:00LÍVIA<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Lívia não era mulher para mim. Eu sempre soube. Apenas preferi ignorar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Lívia nunca seria mulher para mim, eu previ esse fato no momento em que a conheci, mas insisti e consegui o que queria. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Se me arrependo? Claro que sim. Como a gente sempre se arrepende quando escolhe errado, quando vive intensamente, quando vive de forma banal, quando tudo que parece certo se mostra errado e vice-versa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Lívia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Nome doce, pele clara, cabelos longos na medida certa, olhos castanhos, corpo do meu gosto, esse gosto meio estranho que tenho, com interesses levemente parecidos com os meus e tão diversos ao mesmo tempo, e alegre, alegria que domava minha quase melancolia. Mulher persona e personagem. Enfim, perfeita. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Repito: Lívia não era mulher para mim. Eu sabia, eu devia ter sumido. Mas fiquei porque não consegui segurar a vontade de conquistar uma mulher como aquela.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">O fato é que Lívia nunca poderia ser mulher para mim, mas eu a desejei; transei com ela até minhas forças se esgotarem; deixei que ela me sugasse até o limite da minha energia psíquica; depois fui embora.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Voltei com o rabinho entre as pernas, ou porque eu tinha me viciado, ou eu a amava de verdade. No fim, depois de morrer de todas as formas, dei um chute naquela mulher, que era tão perfeita, mas com certeza não era para mim. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por que penso desta forma?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Sempre acreditei que mulheres com nomes doces eram mais fáceis de lidar ou, ao menos, era possível conciliar certa força de personalidade com o que a doçura do nome prometia. Nunca me interessei por mulheres de nomes fortes, pois sempre me pareceram mais incontroláveis. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Dizem que os nomes expressam com fidelidade o que a pessoa é. Por exemplo, nunca gostei de nenhuma mulher de nome Adriane. Vermelho demais, conjunções europeias e bárbaras demais, coisas demais. Nessas mulheres eu só via interrogações e problemas. No entanto, isso é o que dizem as pessoas. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Já uma Lívia, uma Elisa, uma Cecília, uma Abgail, Isabelle, Rosa, Laura, Sofia, Mariana, por exemplo, são mulheres que podem ser fortes, contudo, me faziam sentir a leveza da água e da brisa quando ouvia seus nomes. Traziam-me certa paz, misturada com uma excitação pacienciosamente estimulante quando pensava em cortejá-las.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Mas a minha Lívia contrariou o que eu pensava ou o que diziam sobre esse tema. E eu, desde sempre, soube que ela era assim, diferente da doçura, da moderação, da excitante, mas paciente, sedução que é necessária empregar para conquistar mulheres de nome e alma doces.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por quê?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Lívia era fogo. Era de todas as nações e de nenhuma, era coisas demais e além. Era mar calmo e mar grosso. Era tudo e nada, sem deixar de conter ou estar contida. Estranha essa matemática físico quântica, mas não tem outro jeito de descrever o que era essa mulher para mim.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Quando ela entrava num lugar sempre vinha acompanhada de algum blues, metal, soul, bossa nova, samba, rock, ou uma mistura de tudo isso e outros estilos. Seu pior estilo musical era o clássico. Era loucura pura quando ela chegava com suas sinfonias dissonantes e extremamente harmônicas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Nesses dias ela me virava do avesso, me despia na frente de todo mundo, expunha meu eu como se fosse apenas uma diversão de circo. As pessoas sentiam meu amor, minha dor, meu ciúme, minha alegria, enfim tudo o que eu sentia por ela e por tudo que eu vivia quando estava com essa mulher.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">É por isso que eu pouco escuto música hoje. Chega a me dar calafrios.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Como é então que eu estou suportando o blues que toca aqui nessa espelunca?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por que é Janis, homem!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Permito-me ouvir Janis Joplin às vezes, apesar de ter que lidar com uma pequena síndrome de abstinência depois. Sabe como é, todo ser humano precisa de uma dose de adrenalina uma vez ou outra.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por fim, Lívia quase acabou com meu fígado (me restaram os pulmões porque nunca gostei de fumar, nem suportei a fumaça ou o cheiro de mata-rato que essa porcaria deixa nas pessoas). A criatura gostava de beber. A princípio parecia coisa banal, mas quando introduzi os destilados em minha dieta, sob a influência dessa mulher embriagante, eu tive a confirmação definitiva de que ela não era para mim, entretanto fiquei. Filiei-me ao seu programa de embebedamento quase imediatamente, afinal eu não podia perder Lívia de jeito nenhum. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Foi num desses dias de embriagues que descobri que ela também curtia um barato. Até argumentei, mas ela riu e disse que não ia parar porque aquilo a ajudava a relaxar, a ser melhor, a sentir melhor. Na real, surtia efeito diverso. Ela fazia coisas bizarras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu deixei este detalhe de lado, mas nesse esquema não entrei. Talvez seja isso, talvez o barato tenha queimado por demais os neurônios da Lívia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não, na realidade, não. Ela sabia muito bem o que acontecia e relaxava mesmo. Penso que ela curtia a fumaça porque aí mais de mil pessoas dentro dela entravam em frenesi. E Lívia amava isso, apesar dos danos colaterais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Foi nessa época que eu me mandei, sabe? Por senso de autopreservação. Eu tinha virado um farrapo humano, embora parecesse bem. Nada de olheiras, nada de aumento ou perda de peso. Apenas a sensação de que nada mais havia dentro de mim. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">As pessoas notavam meus olhos vazios, mas não diziam nada. Afinal, eu tinha virado a mascote predileta daquela mulher intensamente extravagante, contudo discreta quando lhe interessava. Elas achavam que seríamos inseparáveis e, se eu quisesse, seríamos mesmo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Então, quando finalmente me desprendi dela passei a escolher mulheres de nomes fortes. Elas são transparentes; não te pregam peças; não fingem ser o que não são; não te deixam com mãos trêmulas porque não sabes o que vem pela frente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Mulheres de nome forte são sempre tempestade ou bonança e tu vais estar sempre de prontidão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Com estas não haverá surpresas; mudanças sutis, mas descontroladas, de humor; noites de bebedice sem conhecimento prévio; curtição de barato sem aviso, com o surgimento de coisas aparentemente humanas que se transformam em aberrações; o esvaziamento das emoções até a última gota, como se fosse a mordida de um vampiro que te suga insaciável e deliciosamente; ao contrário do que foi com Lívia, essa mulher de nome doce, mas amarga e viciante como o absinto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por que estou aqui, na espelunca que a gente frequentava de vez em quando, se eu fugi dela?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Sei lá. Eu precisava de uma dose. Como disse ela me adentrou no mundo da boemia e hoje deu uma pequena saudade disso tudo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Só isso.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Então, por que pareço estar com os nervos a flor da pele?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não, eu não estou com os nervos à flor da pele. Eu sou um sistema nervoso totalmente exposto depois da Lívia. Isso não teve conserto. Minhas mãos nunca mais deixaram de tremer depois que vivi esse ‘affair’ com essa mulher diabo que adorei um dia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por que eu estou falando de Lívia no passado?</span><br />
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Cara, isto está parecendo um interrogatório!</span><br />
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Falo dela no passado porque acho que ela deve ter morrido por aí. Por causa da vida que levava. Imagino até que ela morreu numa viela ao lado de alguma espelunca. Devem ter mordido seu pescoço e sugado com prazer seu sangue até o fim, como ela fez com tantas pessoas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Se eu tenho visto Lívia? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Claro que não!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não iria colocar minha sanidade em risco. Prefiro mulheres de nome forte agora, como, por exemplo, Valeska, igual à vodca que estou bebendo agora.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Vocês receberam uma chamada para o 190 do celular da Lívia? E ela pronunciou meu nome?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Cara, isso só pode ser uma brincadeira de mau gosto. Deve ser alguma artimanha dessa infeliz de nome suave, mas vil como a mais cautelosa das serpentes. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Ela SEMPRE me colocou em situações embaraçosas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Se eu sei que tem um corpo no beco ao lado desse inferninho?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não, eu cheguei aqui faz pouco. Estou na primeira dose até. O meu amigo aqui do bar pode confirmar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Então, como é que eu explico o corpo da Lívia no beco, com mordidas no pescoço e minha boca e mãos conspurcadas de sangue novo e quente?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não sei. Isso em mim não deve ser sangue. Devo ter derramado tinta nas mãos. Acho que estava pintando quando sai de casa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Se Lívia está morta não fui eu. Eu não a vejo há meses. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Como assim, o senhor vai me prender?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">O senhor não pode fazer isso, não existem provas contra mim. Tudo é apenas uma coincidência. O senhor sabe com quem está falando? Não coloca essas algemas, senão vou te processar. Alguém aí chame meu advogado!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Então, a mulher de nome doce está morta. E daí? Ela mereceu. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Mereceu por tudo que me roubou. Essa mulher Lívia que nada tinha de suave, a não ser o nome, a boca, o corpo, o cabelo. Porque o coração, ah! esse era composto de todos os círculos do inferno. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">É só olhar as marcas no meu corpo senhor.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Olha senhor, as marcas no meu corpo!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por que a minha alma ela sugou na primeira vez em que a vi e eu soube que Lívia nunca seria a mulher certa para mim.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-37957676375231666702015-12-25T05:06:00.000-08:002015-12-25T05:06:03.111-08:00DESLEMBRANÇAS<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Preferia a saudade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era melhor que esse vácuo que sentia toda vez que saia de casa ou voltava pra ela e se encontrava com a solidão cara a cara. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era estranho porque nada havia acontecido, nunca haviam trocado mais do que conversas e sorrisos. Algumas confidências talvez. Nunca tinham tido uma história, nem havia uma música que falasse a seus corações, que sempre haviam batido separados, embora parecessem, às vezes, tão próximos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então preferia que tivesse continuado a sentir apenas saudade do pouco que havia acontecido, e dos sonhos do que poderia ter sido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Saudade era melhor que esse vazio seco, como se concreto tivesse sido derramado no interior do seu corpo e solidificado tudo, deixando sua mente pesada pela falta de sensações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E aí o que acontecia? O vácuo era preenchido pelo que via, ouvia ou lia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">As músicas que ouvia, os livros que lia, os filmes que via, as melodias que dançava se tornavam as histórias, as músicas, os filmes, as danças que deveriam ser parte da história que poderiam estar vivendo. Era o vácuo sugando algo para alimentar uma escuridão infindável, uma ausência que nunca poderia ser suprida mesmo quando se encontravam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas tudo piorava quando sonhava. Como ontem havia sonhado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Duas pessoas, frente a frente, apenas falando, olhos nos olhos. E uma simples frase dita, que poderia ter um significado oculto, ou não:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Nós temos tantas afinidades. Tantas... E a partir de hoje teremos mais afinidades ainda!”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Poderia ser uma premonição. Seria tão reconfortante. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Toda a excitação da expectativa retornando. Toda a saudade preenchendo novamente o que não mais existia, ou nunca havia existido. Seria intensamente maravilhoso. Sentir a vida novamente fluindo pelas veias, pelo simples fato de que um pouco de esperança voltava a existir.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Olhos nos olhos, todos os significados passam a existir. Ou então o inconsciente os cria, porque um sonho nada mais é do que um desejo repercutindo na escuridão da mente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Contudo, não era nada disso. Era apenas o vácuo, simplesmente o maldito vácuo de algo inexistente, se autopreenchendo com coisas que nunca aconteceriam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por isso preferia a saudade. Essa é substancial. É palpável. Ainda possui um que de esperança. Saudade não te devora, apenas dói, mas te concede lembranças.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas o vácuo que sentia... </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Só produzia em si uma vontade ensandecida de se vingar. Já que seus sentimentos estavam concretados, a única maneira de quebrar esse estado era matar ou morrer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Decidiu pela primeira opção.</span><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Iria vingar-se até extinguir a vida de quem lhe esnobava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sua felicidade seria tão evidente que sufocaria o vácuo, a criatura que amava e o universo, num poço de inveja e incerteza sobre os motivos que causaram tal êxtase em si.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Depois, depois seguiria sua vida. Esvaziada de toda essa paixão sangrenta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quem sabe, então, pudesse recomeçar outra história, ou voltar a criar outro romance, para preencher o espaço que seu coração redivivo precisaria para continuar batendo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-28219995431501827152015-11-15T08:44:00.001-08:002015-11-15T08:45:28.838-08:00CRÔNICAS CURTAS<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><b>SOBRE ATOS INSANOS</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Mais um ato ‘insano’ num mundo ‘psicopata’.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">E não me digam que a culpa é dos refugiados, dos imigrantes, ou de outras culturas, ou diferentes etnias. Todos somos passageiros neste mundo. Todos somos da mesma espécie. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">A maldade não possui cor, etnia, cultura, crença ou espécie. </span><span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Ela não discrimina nada nem ninguém, apenas fere sem nenhuma explicação ou justificativa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><b>SOBRE TOLERÂNCIA</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">A única coisa que eu não tolero é a intolerância.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Posso não gostar de ações, de atitudes e, até, de uma pessoa ou outra, mas respeito é bom e convém a todos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não me calarei diante da hipocrisia e intolerância de pessoas que parecem ser boas, mas discriminam seus semelhantes apenas porque estes não fazem o que aqueles querem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><b>SOBRE O SILÊNCIO</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu ando silenciosa, sim.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">O silêncio é a melhor arma de defesa porque é a que mais irrita os perversos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Então, prefiro ficar em silêncio por mais um tempo. A perversidade não consegue vencer esta muralha porque os argumentos silenciosos, na maioria das vezes, são mais pesados do que palavras soltas ao vento. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Por isso, meu silêncio pesa, porque ele e meus atos falam por mim muito mais que minhas palavras bonitas ou feias.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><b>SOBRE A RAIVA</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu também perco o controle. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Até eu mostro minha raiva. Isso me entristece. Mas sou humana. </span><span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Seria pior se eu não mostrasse nenhuma emoção, nem boa, nem má. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Talvez isso fosse a prova derradeira de que eu seria mais uma ‘insana’ num mundo ‘psicopata’.</span><br />
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><b>SOBRE PAIXÕES IMPOSSÍVEIS</b></span><br />
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Uma paixão impossível dói demais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu gostaria de não senti-la. Eu até arrancaria meu coração se ela deixasse de existir. Assim, eu não sofreria nem por mim, nem por ela. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Mas também não viveria... </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Acho que prefiro continuar sofrendo do que me desapaixonar pela vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><b>SOBRE ‘DESABAFOS’ NAS REDES SOCIAIS</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">De vez em quando até eu grito na rede virtual a irritação que alguns me causam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">No entanto, eu prefiro selecionar quem pode postar no meu mural, excluir pessoas ou comentários ou simplesmente ignorar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Não debato sobre palavras com pessoas que podem apenas ter uma opinião diferente da minha. Não quero contribuir que ofensores e desocupados, que só querem chamar a atenção para si mesmas, seja por narcisismo, seja por terem pouca autoestima, maculem minha imagem pessoal ou virtual.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu prefiro resguardar a minha vida privada e não servir de estimulante ao ‘voyeurs’ de plantão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Como diz o velho ditado: “roupa suja se lava em casa”, ou na escola, ou na academia, ou no trabalho. Porque quem gosta de fofoca são as revistas de mexerico, os tabloides e afins.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu não. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Eu prefiro a franqueza direta, a resposta dada pessoalmente, em vez de usar a máscara da virtualidade para resolver problemas interpessoais. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: "courier new" , "courier" , monospace; font-size: large;">Até quem não gosta da gente, ou vice-versa, merece o respeito de ouvir cara a cara nossas verdades e opiniões.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-81089884117019807232015-11-13T05:29:00.001-08:002015-11-13T05:29:23.291-08:00MAIS UMA VEZ 'ESTRANHAMENTO': POR LEONARDO DE ANDRADE<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Caros, amigos, leitores e seguidores:</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Meu livro 'Estranhamento' continua despertando atenção.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Desta vez, do colega e escritor Leonardo de Andrade, que dedicou sua primeira análise literária do blog Poltrona Nerd a meu pequeno 'filho'.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Convido vocês a lerem a resenha e conhecerem esse blog tão interessante para quem curte a cultura nerd.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Muito obrigada, Leo! Ficou ótimo!</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><a href="http://poltronanerd.com.br/livros-e-quadrinhos/review-estranhamento-da-autora-adriane-dias-bueno-22469" target="_blank">http://poltronanerd.com.br/livros-e-quadrinhos/review-estranhamento-da-autora-adriane-dias-bueno-22469</a></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-32763172188663183652015-09-14T13:31:00.002-07:002015-09-14T13:31:33.072-07:00O AROMA DA NOITE<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A noite suspira, com seu perfume de espera, com sua cor de conformismo que se apagará apenas quando amanhecer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Somente os notívagos entendem os aromas, as melodias e os paladares da noite. No entanto, nem eles sabem o que é varar noites e dias a meditar naquilo que se vê, mas para o qual não se encontra explicação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Como se faz para descrever de maneira compreensível isso? Essa coisa louca, esse ar de tragédia que toma conta do ambiente, vez ou outra, e que dá um nó na garganta de quem a pressente?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E mesmo assim, mesmo diante do perigo, não é possível descrevê-lo, não é possível provar sua existência; nem seu gosto, nem sua cor e muito menos apontar sua causa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Como se convence alguém de uma maldade não ocorrida ainda; de que, mesmo com todo o cuidado que se tomou, o inimigo já está a sua porta, já adentrou em sua casa e se instalou no cômodo mais importante, com seu ar de inocência induvidosa?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas eu o vejo, eu o vejo pela janela deste cômodo. </span><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Sinto sua malícia, o odor adocicado que exala de sua boca por sentir o gosto antecipado do sangue que irá derramar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Eu vejo seus olhos oblíquos percorrendo o ambiente do qual se adonou e onde não há mais aquela luminosidade que tanto conforto e alegria trazia para quem ali vive.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Não há como expulsá-lo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Não há meio científico ou de outra espécie que possa, nesse instante, mandá-lo embora, ou para o lugar em que merece estar confinado; ou que consiga acabar com sua influência e exterminar os rastros de suas atrocidades, tão visíveis para mim e tão ocultos para os outros.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Será ingenuidade ter uma mísera esperança de que, quando o dia raiar, todos esses fatos e sensações surgirão, com sua verdade dura, contudo, purificante, diante dos teus olhos e que decidirás exorcizar essa presença malévola?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Será possível crer que o pesadelo terminará no exato momento em que deve terminar e que nada, nenhuma dor resultará dessa visita tenebrosa?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Não, creio que não.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Na realidade, talvez eu deva partir desse castelo antes que o dia raie e eu veja que tu e todos que o habitam jazem mortos, porque não quiseram decifrar esse mistério.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-60541663455983809142015-06-09T08:01:00.000-07:002015-06-09T08:01:37.245-07:00A VISITANTE<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Hoje acho que eu vou receber uma visita, minha filha. Por isso, vou esconder todas as fotos. Sabe, eu tenho medo. Já me roubaram algumas, outras estragaram. Então, tive que começar a tomar precauções.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu não entendo porque as pessoas fazem essas maldades, sabe, minha filha, pegar coisas que não são suas, ou destruir, principalmente quando se trata de uma coisa que parece uma bobagem, mas que pra quem tem ou guarda é muito importante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Fotos são assim, menina, acredita na minha experiência. Fotos são importantes porque nos lembram das coisas que a gente viveu. E servem pra refrescar a memória quando já estamos perdendo ela, como ta acontecendo comigo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É por isso que, às vezes, eu pego meus álbuns e fico olhando os retratos que têm neles. Me lembram da minha mãe, dos meus tios, dos meus amigos, do meu pai... não do meu pai, não, porque a maioria das fotos dele já foi roubada ou estragada por uma criança daninha, filha de uma vizinha, que, de vez em quando, vem aqui e faz uma bagunça terrível, inclusive mexe nos meus retratos e estraga os que pega.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu já conversei com a mãe dela, mas não adiantou nada, nada mesmo. A mulher não acredita que sua criança (tão inocente, parece um anjo, com seus olhos verdes, seu cabelo escuro, sua pele branca) possa fazer uma daniesa dessas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas ela faz, minha filha, ela faz.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu posso estar velha, mas caduca, ainda não. Por isso, eu sei que ela faz isso.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas como eu tava falando: eu fico olhando as fotografias da parentada, que já morreu, ou ainda vive, ou a pouco nasceu, e me dá uma dorzinha no peito, misturada com alegria. É tanta gente que eu fico tentando imaginar como a família cresceu tanto e eu nem percebi. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Logo eu, que sempre fui muito atenta pra esses registros familiares.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E ajuda com a solidão sabe? Dá pra gente ver que não foi sempre assim sozinha e que as pessoas só não aparecem mais seguidamente ou porque já morreram ou porque não têm tempo mesmo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Somente os velhos têm tempo hoje em dia. E olhe lá, porque muitos estão bem ativos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu não, porque... bom, eu não sei bem o porquê, só sei que é difícil pra mim sair dessa casa que dizem que é minhas, mas sinto que não. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Às vezes eu estranho essa casa, tão cheia de móveis e tão vazia de lembranças. Eu não me recordo muito das coisas que vivi aqui, menina. E quando quero lembrar me dá um aperto na cabeça como se me dissessem que eu não deveria fazer isso. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas não é só isso que a gente tem no final da vida? Lembranças boas ou más?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Não sei, mas penso que, mesmo quando é ruim, melhorar é lembrar do que ficar em dúvida. Depois mudo de ideia. Tenho mudado muito de ideia ultimamente. Isso me deixa constrangida, mas só conto isso pra ti, porque tu é uma menininha muito querida e bonitinha, sempre vem me visitar, com esse teu sorriso bonito, teus olhos verdes, teus cabelos escuros e tua pele clara.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas as fotos, claro, as fotos provam que eu sempre morei aqui. Mas quando chego nesses retratos eu pulo. Não gosto do que sinto quando vejo essas fotografias, porque a casa continua a mesma, mas as sombras nos cantos me assustam muito. Parece que tem alguma coisa escondida neles que vai saltar sobre mim e me sufocar até eu morrer sem poder pedir ajuda.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu não tenho medo da casa, sabe. Tenho medo é das fotos dos seus cômodos e dos cantos escuros que aparecem nelas. Quando está tudo iluminado e não tem nenhuma foto da casa por perto, fico tranquila. Chego a ronronar como um gatinho satisfeito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas ai surge a filha da vizinha, tira todas as fotos do álbum e me deixa com raiva, essa menina esquisita de pele clara, cabelos negros e olhos verdes. Ela me mostra as fotos e fica rindo porque não consigo me mexer. </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então ela guarda essas fotografias tristes e começa a estragar as bonitas por pura maldade. Eu não consigo fazer nada pra ela parar, fico só dizendo: “Não faz isso, minha filha, não faz isso minha filha”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É quando eu olho para o espelho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Esse mesmo de onde tu me miras e que me reflete enquanto escovo, antes de dormir, meus cabelos escuros quase brancos, minha pele clara enrugada, meus olhos verdes baços. Esse espelho onde te vejo, com tua pele branquinha, teus olhinhos verdes luminosos de esperança e teu cabelinho liso e escuro brilhante, tão pequeninha e inocente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acho que essa noite a filha da vizinha não vem, menininha. A visita vai ficar pra outro dia. Deve ser porque tu ta aí no espelho. Então, nenhuma foto será estragada, nenhum canto escuro saltará sobre mim. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acho que dormirei em paz essa noite, minha filha. Graças a Deus.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-11564278940844701252015-05-22T16:03:00.000-07:002015-05-22T16:03:00.929-07:00O BAILE<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O dia está chovendo hoje.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela escuta músicas suaves para acalmar sua mente rodopiante. Sentada no tapete de sua pequena sala sorve o mate que lembra todos os chamamés que dançou, mas não a saciaram.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ontem, só faltou a valsa para derreter totalmente o aço que estava comprimindo seu coração há um século. Por algumas horas conseguiu esquecer quem era e viver apenas a fração de cada um dos compassos que marcava com seus pés, em geral gastos pelas andanças rotineiras de sua vida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Notas musicais são as chaves das celas públicas que te prendem, pelo menos de vez em quando.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No meio disso tudo, no entanto, vez por outra saltava aguda a sensação da ausência de algo que não pode tocar. Mais uma vez teve ao menos o consolo de sua imaginação fértil, que supriu a carência sentida. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Dançou com a imagem que desenhou nas paredes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sim, dançou para essa ausência. Fechou os olhos e acreditou que todas as figuras, as trocas de mãos, as inversões de passos, os cruzamentos de pernas eram realizadas, com perfeição, não apenas para sua alegria, mas para satisfazer a presença ausente que a observava das sombras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Dançou até sozinha, como se dançasse com quem queria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Voltou para casa exausta. Pernas doloridas, braços dormentes e com o desejo de saber o que pensaria de tudo aquela sombra que somente ela conseguia pressentir.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">De fato, hoje está chovendo o dia. O mate esfria na cuia e, estranhamente, é uma música country que ressoa no ambiente, lembrando-a de que, como de hábito, alguns de seus sonhos talvez nunca possam ser concretizados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enquanto isso, esse sentimento ausente, que ela não sabe bem dizer o que é, sussurra em seu ouvido:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">"Relaxa, falta pouco para voltarmos a bailar".</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-91164814010038003022015-03-22T17:40:00.001-07:002015-03-22T17:40:18.051-07:00A AUSÊNCIA<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu vi a morte pelo canto do olho esquerdo. De certa forma, foi normal, quase como se aquilo já fosse esperado. Então foi isso, eu vi pelo canto do olho esquerdo aquela figura que ninguém quer encontrar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Todo mundo acha que ela anda de preto, com um capuz recobrindo a cara descarnada, de órbitas vazias e profundamente negras, e carregando uma foice. Mas, como eu a vi com meu olho esquerdo (logo aquele que não é o melhor), eu posso afirmar que nada disso é verdade. Assim como não é verdade que ela seja uma amiga que venha nos livrar dos sofrimentos deste mundo que é ainda mais torto do que se imagina.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E já vejo teu argumento saltando da tua boca antes mesmo de eu terminar de contar o que sucedeu:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Cara, se tu viu a tal dona com teu olho esquerdo, e este é justamente aquele que não é o bom, como tu pode afirmar que a morte é totalmente diferente do que as pessoas dizem?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Rebato de forma simples, banal até: muitas vezes se vê melhor com aquilo que sofre algum defeito do que com o que está saudável em nós.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Simples assim, como a morte ser diferente do que se imagina. À</span><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">s vezes, ver de menos implica em ver mais, quem sabe até melhor.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas eu dizia: eu a vi, com meu olho esquerdo ruim, num dia de sol, em pleno verão, enquanto ia para o trabalho. Eu juro que tentei desviar, que tentei fechar os olhos, que não queria parar para conversar com ela. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu não queria nada. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Apenas continuar meu caminho, chegar ao trabalho, cumprir as oito horas diárias estipuladas em lei (porque hoje eu não aceitaria fazer hora extra de jeito nenhum; a cidade gris sofre com o inferno na terra que está sendo este verão) e voltar para casa, esquecendo todas as obrigações possíveis até o próximo turno.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu achei, sinceramente, que tinha conseguido desviar da morte quando percebi que ela deu um passo na direção diversa em que eu ia. Entretanto, acho que ela se arrependeu; voltou sobre as próprias pegadas e foi aí que eu dei de cara com a criatura.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sabe, foi por um milésimo de segundo. Se eu tivesse esse milésimo teria conseguido escapar daquela cara maldita, indescritível. No entanto, me faltou, talvez, o 'ésimo', ou seja, o sangue frio necessário para evitar o encontro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por isso paguei o preço de ver com o olho errado e ruim ela assomar sobre minha pessoa e me tirar tudo o que eu tenho, porque, de fato, eu não vou sair dessa, não.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E aí vem teu novo argumento:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Cara, não pensa assim. Vai ficar tudo bem. Tudo tem conserto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É eu estou rindo, apesar da situação, mas preciso rir, porque este é o argumento que todos usam para aqueles que chegaram onde eu cheguei: neste instante, onde a gente encontra a morte, com seu sorriso lúgubre e com a imagem que ninguém quer acreditar que ela tem, ou seja, nenhuma.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela não tem cara, não tem olhos, braços, pernas, muito menos capuz e foice. Na realidade ela é uma ausência total, branca e ofuscante. Chega a machucar os olhos quando surge. Deve ser por isso que eu a vi com o olho esquerdo. E dolorosa, terrivelmente dolorosa quando toca o corpo da gente e nos carrega para dentro da sua ausência.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas agora não sinto nada, nada mesmo. Além da sensação de que todos os fluidos do meu corpo já se foram e a ausência está avançando para meu tórax. Sabe, em breve ela vai chegar aos meus braços e, por fim, ao meu cérebro. Então eu não verei mais nada e será um alívio isso. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Um alívio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sim, eu escutei tu dizer que a ambulância já está chegando. Estou sentindo tu alisar meus cabelos curtos e ensopados de suor frio. Sinto teu olhar de compaixão sobre mim. Estou até vendo as lágrimas que estão começando a escorrer pelo teu rosto, porque, no fundo, por mais otimista que tu queiras ser, tu já sabe o final desse encontro casual que tive. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Agradeço estares segurando minha mão, enquanto estou aqui começando a arquejar, assim como ouço teus berros desesperados para que os curiosos abram caminho para os socorristas. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas, sinceramente moço, pode descansar, não vai dar tempo, eu já disse. Quando eu a vi, eu soube que não restaria nada para juntar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Aliás, existe, sim, partes para juntar... no asfalto: estou vendo daqui, com um pequeno levantamento de pescoço, meus braços e meu tórax inteirinhos. Claro que também vejo algo enrodilhado escapando do fim do meu tronco, junto com os meus fluídos vitais. E ali adiante, coisa de uns poucos metros, um par de pernas meio tortas, talvez totalmente quebradas, ainda unidas por aquela que um dia foi minha cintura.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tu não consegue olhar, eu sei. Estás com ânsias de vômito. Realmente compreensível, por isso te peço que não olhes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Olha, eles chegaram a maca está aqui!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sim, estou vendo os socorristas em pé ao nosso lado. A maca a espera. Mas não adianta. Ela já chegou aos meus olhos, não vejo nada além da ausência branca. Então vou parando de falar contigo, viu? Agradeço o consolo, de coração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então é isso. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A ausência chegou ao meu cérebro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Finalmente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-17239363541338553232015-03-01T16:43:00.001-08:002015-03-01T16:43:57.926-08:00DIAS VERMELHOS<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A atmosfera mormacenta do outono expele um ar inqualificável sobre a cidade do Rio Grande. O que se sente não é um odor totalmente bom ou ruim, mas certamente é desconfortável. Os moradores da cidade gris sabem que o ar aqui é diferente: carrega algo que fica a espreita, numa semiescuridão ofuscante, buscando presas nem sempre tão puras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Respirar em Rio Grande sempre foi como ter os pulmões cheios de água e, ao mesmo tempo, secos como o deserto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas o engraçado é que por estes dias o tempo tem estado tão confuso quanto o ar: enregelante, mas muito quente quando menos se espera. E estranhamente silencioso, apesar do barulho que as pessoas e os carros que invadiram a cidade estão fazendo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando amanhece o céu apresenta uma cor avermelhada, que certamente seria considerada normal, não fosse o fato de que este colorido específico pertence à outra estação do ano. Eu percebo a diferença porque moro aqui desde sempre e entendo as nuances que existem no clima e na natureza local. No entanto, de uns tempos para cá, a coisa tem mudado de figura e as estações se mostram meio rebeldes, chegando antes ou depois. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sim, tem toda essa história de aquecimento global, de degelo das calotas polares, de poluição, e etc., cientificamente comprovadas. Mas as coisas que tenho visto ou apenas pressentido quando ando pelas ruas da cidade griz não são fruto somente das coisas que falei, como costumam pensar os estudantes e ambientalistas daqui.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tem algo estranho ocorrendo no céu e no subsolo riograndino. Meus ossos sentem e estremecem. Sinto no pescoço a respiração ofegante e ansiosa de algo que ainda não consegui identificar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Hoje quando saí de casa o céu estava novamente avermelhado; de um vermelho difícil para alguém descrever. A cor escorria pelo céu de forma esquisita, enquanto o sol meio atrasado de outono começava a tomar conta do dia. As nuvens recortavam a cor enquanto deslizavam pelo ar, dando a impressão que o dia estava pingando sangue.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu saí para a rua sabendo que somente conseguiria voltar um tanto tarde da noite, por causa da minha profissão. Eu cavo buracos na cidade mais esburacada que conheço, para tentar consertar estragos na rede de esgoto. Deve ser por isso que pressinto a diferença no ambiente riograndino. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os buracos sempre me colocaram frente a frente com os mais estranhos segredos da minha cidade. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Cheguei ao canteiro de obras no caminhão da empresa, junto com cinco companheiros de trabalho. Eles pareciam que nunca tomavam banho, a cara besuntada pelo sol era escurecida, mas também havia um pouco de sujeira por ali. Isso se percebia pelo cheiro de suor, poeira e bebida que pelo menos três deles exalavam fortemente, os outros dois ainda tentavam disfarçar. Era difícil ver mudas de roupas diferentes sobre os corpos deles também.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Isso me dava certo nojo. Infelizmente, sou daqueles que não consegue passar sem um banho e ao menos duas trocas de roupas por dia. Eu nunca me dei bem com sujeira. Não sei como acabei nessa profissão. Ou talvez saiba, mas não admito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O buraco havia começado a ser escavado há algumas semanas. Deveria ser bem profundo, pois a empresa iria instalar uma estação elevatória de esgoto. O progresso estava chegando a Rio Grande e o lençol freático não ajudava a melhorar a infraestrutura envelhecida da cidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas a obra incomodava os moradores porque parecia nunca ter fim. Eu somente observava a cara de insatisfação dos passantes, enquanto eles criticavam a empreitada que parecia nunca acabar e a nós que parecíamos nunca trabalhar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tinha até uma menina que costumava passar frequentemente pelo local, seja para ir para o trabalho ou para realizar sua caminhada em dias alternados, que olhava desconfiada para o buraco e, às vezes, resmungava que era uma aberração o transtorno causado pela obra, porque impedia o trânsito pelas calçadas, prejudicava o fluxo de veículos e a empresa ainda deixava restos de material jogado pelos cantos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela fazia uma cara de nojo quando tinha que atravessar a areia solta com suas sandálias chiques e quando sentia o cheiro desagradável que vinha do chão violado. Acho que sei porque ela reclamava tanto. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas o que mais perturbava a guria era a profundidade do buraco. Às vezes ela tentava ver o fundo dele, mas não conseguia e isso a deixava com uma cara gozada, misto de espanto, reflexão e medo. Acho que, assim como eu, ela acreditava que aquilo não deveria ser feito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então a escavação chegou a um ponto em que o lençol freático precisava ser rebaixado para que pudéssemos continuar abrindo o buraco maldito. Foi nesse dia que eu comecei a perceber a mudança mais acentuada no céu riograndino. Eu estremeci quando vi aquele tom vermelho no céu. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acho que a moça também percebeu porque, quando passou pela obra naquele dia, ela parou brevemente, olhou através de seus óculos escuros para o negrume do buraco e segurou com mais firmeza sua pasta de trabalho. Depois senti que ela me observava, mas não pude tentar decifrar seus pensamentos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É difícil ler alguém que se esconde por detrás da escuridão de um par de lentes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela respirou profundamente erguendo os ombros e deixando-os caírem como se um peso imenso e desconhecido houvesse pousado sobre eles. Depois seguiu em seu passo apressado, mas agora não tão confiante, de sempre, balançando levemente a cabeça enquanto passava por mim. Tudo não durou mais de dez segundos em minha opinião. E o jeito dela pareceu confirmar o que eu pensava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Não se devia revirar dessa forma as profundezas do solo de Rio Grande.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por fim, o lençol freático foi rebaixado e a escavação prosseguiu por mais alguns metros. Neste dia, devido à urgência da obra (com certeza, mais em razão das reclamações dos cidadãos descontentes) iríamos trabalhar até a madrugada, revezando para descansar na cama vagabunda de um trailer de madeira que tinha sido colocado no canteiro. Servia também para que, nos intervalos, pudéssemos comer uma refeição fria e nojenta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi nessa noite que a escavadeira bateu em algo sólido, fazendo um barulho de pedra contra aço. Achamos que poderia, apesar do tipo de solo existente em Rio Grande, ser uma pedra grande o suficiente para causar o barulho estranho, mas que seria removida rapidamente com o maquinário, e a obra prosseguiria rumo ao seu fim.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Para tentarmos descobrir o tamanho da pedra e removê-la, sem derrubar a frágil estrutura feita de sarrafos que segurava as paredes de areia da escavação, eu e alguns colegas descemos por uma escada para dentro daquele poço escuro com pás, picaretas e até vassouras. O responsável achou por bem dirigir todas as luzes de iluminação improvisadas para o interior do buraco, ideia mais do que óbvia, em vista do perigo que existia no local.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Eu não ganho para isso”, pensei naquela hora, sentindo um arrepio ao entrar naquela cavidade que parecia uma boca esfomeada. Lembrei da sensação que eu tinha tido quando a moça olhou pro mesmo lugar. Senti um arrepio percorrer meu corpo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas retiramos o máximo de areia possível e tentamos definir onde a pedra começava e terminava. Nós varremos a terra, raspamos o ‘fundo’ do buraco em todas as direções, batendo as pás contra a superfície, que soltava fagulhas ao contato do metal, enchemos e esvaziamos baldes com terra, mas estranhamente não conseguimos delimitar o tamanho da pedra que obrigou a máquina a parar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Decidimos então levar suportes de luz lá para baixo para verificar a situação e, se fosse necessário, interromper o trabalho até o dia seguinte (o que nos deixaria muito felizes) para que o engenheiro decidisse o que fazer. Afinal, nós éramos apenas peões e se algo desse errado durante a noite a culpa seria jogada sobre nossos ombros embrutecidos, mas sem costas quentes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando as luzes foram posicionadas entendemos porque não havia como delimitar o tamanho do pedregulho. Na realidade, se tratavam de várias pedras, rejuntadas com uma argamassa muito velha, formando uma espécie de calçada ou piso. “Talvez a gente tenha batido contra a fundação de uma dessas casas antigas e históricas que haviam sido arruinadas pela ganância”, eu estava refletindo quando um colega exclamou:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Tchê! Acho que achamos uma das galerias secretas que tinham nos fortes aqui do Rio Grande! – disse o Zé, se ajoelhando para sentir a aspereza das pedras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu revirei os olhos. Mais um daqueles!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Se tu lesses um pouco, saberias que isso não existia aqui. O forte que tinha nessa região foi totalmente destruído. Somente na Praça Sete de Setembro se encontram alguns restos de um dos fortes e isso se a pessoa cavar bem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Hunf! – Zé deu de ombros e me olhou com aqueles olhos vesgos e meio desvairados que eu já conhecia a um par de anos. – Se tu lesse um pouco de outras coisas além de livros de história, tu ia ficar sabendo que muitos riograndinos acreditam que os 'portuga' construíram galerias subterrâneas nos fortes para esconder os tesouros que roubaram dos hermanos, dos índios e dos barcos que saqueavam aqui na costa. Eles eram piratas também, ouviu? Pode bater aí, cara. Tu vai ouvir um som oco. Se isso acontecer não vai ter como negar os fatos. – Ele me disse com os olhos chispando e apontando a mão trêmula pela excitação para o chão empedrado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Ok, ok. Vamos testar tua teoria. – eu disse conciliador e zombeteiro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Peguei uma picareta, bati e...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nada. Nada de nada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Zé me olhou com raiva.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Tu parece uma mulherzinha batendo com essa picareta! – Ele rosnou, pegando a ferramenta das minhas mãos. Eu tratei de me afastar. Sabe-se lá o que ele ia fazer. – Tem que bater assim, ó! – Ele disse levantando a picareta e largando ela com toda força sobre as pedras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ferro e rocha se encontraram brutalmente e uma chuva de fagulhas voou para todos os lados, assustando uns e fazendo outros rirem da ‘explosão’ provocada pelo bêbado mais contumaz da turma, até que se ouviu um pequeno barulho, que foi aumentando de intensidade com uma rapidez estapafúrdia. O Zé pareceu dançar de um lado para outro enquanto o lugar em que estava em pé começou a ruir.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os peões se atropelaram para subir pelas escadas, ouvindo o som seco do desmoronamento de uma parte do piso e o grito assustado do Zé. A poeira tomou conta do local, fazendo nosso colega desaparecer num breu aterrorizador.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“É... Parece que o Zé tem razão”, pensei um pouco consternado. “Pelo menos em parte. Vamos ver o que tem aí embaixo”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tudo era escuridão e pó. Não se via movimento nenhum. Desci até o que restou do alicerce e gritei para o fosso que parecia que ia me comer vivo:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Zé?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nenhuma resposta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Zé? Tu tá bem, cara? Zé?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ouvi um gemido baixinho e depois uma voz rouca falou:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-To... Acho que to bem. Bati a cabeça e tudo ta rodando.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Espera um pouco que vamos descer aí pra te pegar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Meus colegas já tinham providenciado uma escada, capacetes e lanternas para descermos até o túnel, enquanto eu falava com o Zé. Eu via a escuridão lá embaixo e pressentia que a coisa não deveria ser boa, mas era preciso catar o Zé do local e descobrir o que havia ali, embora eu já soubesse que isso, esse ‘acidente’, que abriu a boca de algo desconhecido sobre a cidade, iria atrasar a obra mais uma vez.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu já visualizava o enxame de estudantes e arqueólogos varejando por ali, tentando explicar o que talvez fosse inexplicável, como alertava meu DNA riograndino, bem como desenterrando alguma coisa que certamente era melhor que ficasse rastejando no lençol freático alto de Rio Grande. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Contudo, era melhor resgatar o Zé, dar uma olhada nas coisas e avisar de uma vez o encarregado. Quanto mais cedo se resolvesse o problema, mais rápido a obra terminaria e eu voltaria a vagar tranquilo pela city. Portanto, descemos em direção ao breu, com cautela, mas rapidamente. Ninguém queria ficar naquele lugar muito tempo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Achamos o Zé misturado com alguns pedregulhos, pó e teias de aranha, atirado sobre o piso de uma galeria que realmente parecia ter bem mais de três séculos de existência. Ele estava atarantado, gemia por causa de alguma dor ainda não localizada e pedia alto que a gente se apressasse porque ele estava com um mau presságio. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele estava inteiro, fora um galo feio na cabeça e, possivelmente uma torção num dos pés. Gente que trabalha como tuco-tuco acaba aprendendo a cair, por necessidade, nos fossos que cava. Os colegas retiraram o Zé dos destroços de sua própria ousadia, enquanto eu começava a vasculhar aquele lugar estranho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A galeria era estreita e, naturalmente, escura. Assim, enquanto meus colegas providenciavam a remoção do Zé eu peguei uma lanterna e avancei alguns passos em direção aquele breu.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A sensação era estranha. A escuridão parecia absorver a umidade do ar, deixando a atmosfera pegajosa. O grude aderia as paredes antigas e escorria na forma de um líquido meio água meio argila. Eu estendi a mão, que pareceu perfurar um tecido invisível que começou a aderir nos meus dedos e tentava se espalhar pelo meu corpo, me fazendo sentir um medo súbito de que eu acabaria sufocando. Quando baixei o braço tive a sensação de que eu nunca mais conseguiria desprender aquele nada do meu corpo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Independente do que eu descobrisse nesses subterrâneos, eu sabia: nunca mais seria o mesmo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando terminaram de alavancar o corpo do Zé, pesado de sujeira e cachaça, para o exterior do buraco, o encarregado chegou esbaforido na obra. Desceu cautelosamente pela escada até ser absorvido pelas trevas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-E então, como tá a coisa? O que tem aqui embaixo? – ele perguntou passando um lenço na careca e no rosto obeso empapados de suor, enquanto tentava devassar a escuridão com seus olhos míopes de suíno.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Não sei, chefe, mas acho que é algo muuuiiito antigo. – Falei esticando as sílabas para que ele se tocasse que a coisa era séria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Droga! Isso quer dizer que vamos ter que chamar os caras que desenterram coisas velhas e inúteis. Aí, a obra vai parar novamente e eu vou acabar perdendo meu emprego.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Fiquei com pena. Coloquei minha mão em seu ombro e disse:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Vamos andar um pouco por aqui. Quem sabe não seja tão antigo quanto parece.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele suspirou resignado e começou a caminhar sem direção.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Eu vou na frente. – falei segurando seu braço. – To com uma lanterna. Mas, acho que seria bom pegar mais uma. Não vamos nos arriscar a ter mais um acidente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele berrou para um dos peões que estavam com a cara enfiada na borda da cratera. Um deles jogou a lanterna em suas mãos dizendo que nenhum deles queria voltar ao lugar. Eles achavam que por ali andava alguma maldição. O chefe respondeu que não queria mesmo imbecis por ali quebrando tudo. Por entre dentes murmurou um ‘covardes’, embora estivesse trêmulo. Era tão supersticioso quanto seus subalternos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Começamos a andar com cuidado, apontando as lanternas ora para o chão, ora para a frente ou para o teto. O túnel parecia infindável, como uma grande boca fétida disposta a devorar o que encontrasse pela frente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu mirava o chão com o facho de luz porque percebi um declive no piso, por onde corria um filete de água escura, que brotava da parede e ia morrer um pouco mais adiante, numa fissura no chão da galeria. O pinga pinga naquele buraco era muito enervante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nisso, meu chefe colocou a mão no meu braço e soltou um sussurro esganiçado, misto de horror e incredulidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Cara, olha aquilo!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Virei a luz da lanterna para a direção em que meu chefe apontava com o dedo trêmulo. Percebi uma sombra se movendo pela parede: uma coisa esquálida e avermelhada se arrastava para a escuridão da galeria que, naquele ponto, fazia uma curva para a esquerda, o que impediu que eu conseguisse identificar o que era. No entanto, um fio de suor escorreu pela minha espinha dorsal. Senti a friagem que corria na galeria aumentar ainda mais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas não pude gastar muito tempo com essas sensações porque Manoel (esse era o nome do meu chefe) já puxava meu braço outra vez e apontava para o chão, sem emitir qualquer som. Ele só mostrava nojo e horror em sua cara, que tinha adquirido uma coloração verde. De repente, ele se dobrou em dois e vomitou em cima das minhas botas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu ia encher ele de desaforos, mas quando vi o que ele apontava mudei de ideia. A reação estomacal dele era compreensível. Lá, naquele pedaço de chão da galeria, mal e mal iluminado pela minha lanterna, estava um corpo. Não um corpo apenas, como se costuma ver os corpos dos mortos, mas um corpo feminino, com as vestes transformadas em tiras e com o rosto semidevorado pendendo em nossa direção. Um olho desaparecido e o outro pendurado pelos nervos ópticos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mareei também, claro. Mas numa outra vida, que eu escolhi descartar como uma roupa velha, eu já tinha visto coisa pior. Por isso, apesar da azia, consegui me controlar e me aproximei do corpo da mulher, com os olhos baixos. Parei perto de seus pés e me agachei. Respirei fundo e encarei seu rosto semidescarnado que, a luz da lanterna, ficava ainda mais tétrico. Havia algo nele que não me era desconhecido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Encontrei uma pasta ao lado dos restos mortais. Abri o objeto. Encontrei alguns papéis com o famoso ‘juridiques’ e que coloquei de volta no lugar. Encontrei a carteira e lá estava o cartão de identidade da Ordem dos Advogados do Brasil, com o nome da moça. Tinha sua foto também. De fato, eu a conhecida de vista, era aquela guria que tinha, como eu, pressentido o perigo de escavar o solo de Rio Grande. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Fiquei tão tonto que tive que sentar um pouco.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu não a conhecia, não sabia nada sobre sua pessoa, sua família, sua profissão. Eu não sabia nada de nada. Mas tínhamos criado um vínculo naquele dia. A morte dela era em parte culpa minha, porque tínhamos nos tornado irmãos diante de um infortúnio anunciado, que somente nós havíamos percebido, mas que não fizemos nada para impedir. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Será que ela também acreditava que a cidade gris deveria ser fervida para expirar seus pecados?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Diante da minha reação, meu chefe perguntou se eu conhecia a mulher dilacerada. Disse que apenas de vista, que ela morava naquele bairro. Então, tentei me recompor e disse para chamarmos as autoridades porque aquilo não poderia ser resolvido por nós. Manoel argumentou que eu não fosse tão precipitado, que seria melhor darmos mais uma olhada por ali, para tentar descobrir o que era aquela coisa que tínhamos visto, senão iam dizer que estávamos loucos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A contragosto tive que concordar e começamos a caminhar, dessa vez com um pouco mais de rapidez (eu já estava começando a implorar para sair daquele buraco maldito) na mesma direção que havíamos visto a sombra avermelhada fugir. Alcançamos a curva e a vencemos sem nem olhar por onde íamos, tropeçando em alguns pedregulhos e quase caindo. Acabei batendo o ombro e o braço esquerdos contra uma das paredes úmidas. Devido a pressa o choque foi um tanto violento, a ponto de lacerar a pele e fazer com que gotas do meu sangue se misturasse com a água que vertia daquelas paredes centenárias.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Percorremos alguns metros mais e descobrimos outra curva. Meu braço começava a latejar e eu já estava cansado daquele passeio sem sentido. Ia falar para meu chefe para voltarmos antes que nos perdêssemos naquele labirinto quando percebemos no fundo da galeria algo se deslocando devagar em direção a uma pequena fonte de iluminação que saía de uma abertura no fim daquele corredor. Ouvimos um som rítmico, como se um grupo de insetos estivessem zumbindo uns para os outros. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Estranhamente eu e Manoel sentimos o mesmo impulso e demos as mãos, como duas crianças prestes a entrar no quarto mais assustador da casa em que moram. Caminhamos assim até a abertura que vimos, tentando não fazer barulho. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando chegamos perto do que parecia uma entrada, colamos nossos corpos na parede. Ficamos ouvindo com a respiração presa, para tentar identificar qualquer movimento que nos desse uma ideia do que se escondia naquele lugar. Ouvimos algo parecido com passos pisoteando alguma coisa sólida, mas quebradiça, que ia estalando quando era pressionado por aquilo que talvez fossem os pés das coisas ocultas na semi-escuridão. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Não era um som agradável de ouvir.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enfiei a cabeça na abertura e vi sombras se movendo vagarosamente pelos cantos. Naquela área havia uma espécie de mureta que circulava o recinto. Ela estava parcialmente ruída em alguns pontos. Serviria muito bem para nos ocultar. Mostrei para Manoel. Ele balançou a cabeça em negativa. Não queria prosseguir. Sacudi os ombros e deslizei até a proteção. Eu precisava saber o que tinha ali. Quando eu me preparava para dar uma olhada, senti algo frio tocar meu ombro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quase gritei, mas era apenas meu chefe. Não conseguiu ficar sozinho no escuro. Sua mão estava tão gelada quanto à de uma pessoa morta. Tive vontade de socar a cara dele para aprender a ser homem. No entanto, algo me chamou a atenção e resolvi deixar os socos para depois. Uma luminosidade vinha de um nível um pouco mais baixo do que o da mureta, fazendo as sombras de pelo menos três criaturas, que andavam nesse nível inferior, se alongarem pelas paredes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Reuni coragem e olhei por cima da proteção. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Escancarei os olhos e a boca. Como explicar o que eu via? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Meu chefe puxou meu braço algumas vezes, querendo saber o que tinha ali. Nada falei. Então ele começou a me perguntar o que eu estava vendo, como eu não respondia começou a levantar a voz. Tapei sua boca e o puxei pelo colarinho. Ele que visse com seus próprios olhos. Ele congelou mais do que eu. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era inacreditável a visão. Ninguém que não estivesse ali poderia compreender de fato o que víamos. Ninguém iria acreditar na gente se tentássemos explicar o que era aquele poço, o que ele continha.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Diante de nós, em torno de uma fogueira que eu não tinha ideia de como era mantida, um fino tapete de ossos recobria o chão. Ossos de gente, ossos de animais, talvez ossos dos ancestrais daquelas coisas que rondavam por ali, ciciando baixinho, como costumam fazer roedores ou insetos. Eles deslizavam devagar sobre os esqueletos, produzindo os estalos que tínhamos ouvido quando os ossos quebravam sob seus pés.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No meio daquela tumba cinco ou seis criaturas bizarras, caminhando ou roendo algum dos ossos aparentemente mais frescos, que ainda continham algum tutano ou nacos de carne envelhecida. Suas peles eram levemente translúcidas e de um tom vermelho esmaecido, por onde se viam as veias e artérias. Tinham o corpo esquálido e tronco encurvado de onde se projetavam suas cabeças, largas no crânio e finas na região dos maxilares. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Suas carrancas não tinham expressão. Dois olhos enormes e esbranquiçados saltavam delas, olhos que lembravam coisas que ficaram muito tempo no fundo do mar. Deviam ser cegos. Das suas bocas brotavam dois dentes fortes, encurvados e muito afiados. Seus braços eram desproporcionais em relação ao tronco, terminando em mãos com três dedos, com unhas que pareciam garras. Certamente eram mortais. As pernas eram levemente curtas, o que poderia indicar que aqueles bichos não se locomoviam com rapidez.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Um som num dos cantos do poço me chamou a atenção e olhei na direção de onde ele veio. Vi três miniaturas das aberrações surgirem das sombras, devagar, apoiando-se nos braços compridos. Pararam perto de um indivíduo mais velho. Este segurou um dos pequenos e alisou sua cabeça com as garras. Não acreditei. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Será que aquelas coisas ainda podiam se reproduzir?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Meu chefe levou à mão a boca, tentando evitar qualquer barulho, mas não foi possível. Da sua garganta jorrou novamente vômito esverdeado, onde se viam restos da sua refeição noturna e algumas outras coisas que não pude identificar. Ele tossiu e cuspiu para se livrar do mau gosto e do resto de bile, deixando seu corpo escorregar pela parede da mureta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Erro fatal.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">As criaturas ouviram o barulho e viraram suas cabeças para cima, farejando o ar e soltando zumbidos e assovios guturais. Começaram a se movimentar, com passadas curtas mas rápidas até que passaram a saltar nas pedras expostas da parede do poço e a escalarem a mesma com uma agilidade que eu tinha achado que não possuíam. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Simplesmente catei meu chefe pelo colarinho que, a princípio se deixou arrastar pelo chão umedecido, mas se ergueu rapidamente quando viu a primeira cabeça daquelas aberrações surgir sobre a mureta. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nós corríamos como loucos, mas as pernas curtas eram mais velozes que as nossas. Por duas vezes senti o vento das garras de uma delas zunir perto de mim: uma perto da minha nuca e outra perto do meu braco machucado. Na terceira vez, uma unha me causou um arranhão e meu sangue começou a escorrer embora não fosse um corte muito profundo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O cheiro de sangue deixou os bichos mais excitados e eles começaram a ciciar mais alto e mais frequentemente; por causa disso, enquanto corriam atrás de nossos calcanhares, se batiam e atropelavam tentando nos alcançar. Foi essa excitação que nos deu uma pequena vantagem e permitiu que conseguíssemos nos distanciar um pouco daqueles monstros vermelhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas era certo: eles iriam nos alcançar antes de chegarmos ao buraco.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, algo mudou repentinamente nosso destino. Ouvimos um enorme zumbido provindo do poço, creio, que tínhamos deixado pra trás. Isso fez as criaturas pararem de nos perseguir tão bruscamente que duas se chocaram e vieram dar aos nossos pés. Quando se desvencilharam de si mesmas nem se preocuparam conosco. Ficaram ouvindo as outras aberrações. Em segundos todas deram meia volta e saíram em disparada refazendo o percurso em sentido contrario, emitindo zunidos desesperados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tenho certeza que algo tinha acontecido com as crias e agora os bichos estavam desesperados por elas. Não se importavam em deixar duas fartas refeições escaparem, desde que seus monstrinhos estivessem bem. Ficamos momentaneamente paralisados, entre aliviados e aterrorizados, vendo aqueles brutos desaparecerem na escuridão da galeria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Em seguida, voltamos a correr em direção a saída daquele inferno, que nunca havíamos suspeitado que existisse sob a cidade do Rio Grande. Aliás, nenhum citadino suspeitava. E isso era o mais apavorante. Eu me perguntava se alguém algum dia descobriu o que havia ali. Desejava acreditar que não, mas lembrei das lendas mencionadas pelo Zé.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era certo que alguma pessoa sabia de tudo, mas haviam conseguido fazer com que a verdade fosse soterrada não apenas pela terra riograndina, mas por toneladas de coisas desimportantes que enchiam as notícias que eram contadas nos meios de comunicação da cidade gris.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Somente loucos e bêbados conseguiam ver os rastros da monstruosidade que a cidade abrigava. E quem acreditaria neles? Quem acreditaria na existência dos monstros que eu e meu chefe havíamos visto?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enquanto corríamos para a boca do buraco, eu sentia que meu braço e o local em que fora arranhado latejavam cada vez mais. Já sentia o inchaço tomando conta dos locais. Meu sangue parecia meio acelerado e eu sentia frio e calor, calor e frio. Mas estou mais preocupado em sair dessa galeria do que com o que estou sentindo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando dobramos na primeira curva do túnel acabei tropeçando em algo. Era a pasta da guria que eu conhecia, a advogada. Cai estatelado no chão justamente sobre o braco que latejava. Vi estrelinhas diante dos olhos porque a dor que senti foi muito maior do que a que se espera para um simples arranhão. O pateta do meu chefe continuou correndo enquanto eu tentava lidar com a dor que sentia e desvencilhar meu pé da alça da pasta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando consegui só vi os pés do meu chefe sumindo nos primeiros degraus da escada que nos levou àquela escuridão mortal. Procurei me levantar rápido, embora não ouvisse nada que indicasse que as aberrações estavam voltando a nos caçar. Eu só queria sair o mais rápido possível dos subterrâneos desconhecidos de Rio Grande.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando apoiei meu corpo sobre os joelhos para me levantar, senti uma ânsia de vômito incontrolável. Vomitei e fiquei ainda mais tonto. Acabei apoiando uma das mãos no chão, para me recuperar, e a outra... a outra encontrou um tecido que revestia algo mole e pegajoso. Era a perna da menina que havia sido morta por um dos monstros.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tentei afastar a mão rapidamente, mas não deu tempo. Uma outra mão, ensanguentada e mutilada segurou meu pulso. Eu olhei... e quando olhei vi o rosto da moca perto do meu, com seu único olho pendurado já esbranquiçado e o que restou da sua pele adquirindo o tom avermelhado da besta que a comeu parcialmente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Um arquejo de morte saiu de seu peito dilacerado e então eu ouvi, Deus, eu juro que ela disse: </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">- Nois morri. Nois vevi. Nos volta... sempre.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Gritei como um bebê e me soltei daquela mão maldita. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela ainda tentou me pegar mais uma vez, mas não conseguiu. Talvez seu tronco estivesse muito prejudicado. Me levantei e sai correndo, aos tropeções, por causa do mal estar que sentia e do terror que se abateu sobre mi quando aquela coisa viva/morta falou.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Cheguei a escada e subi o mais ligeiro que minha pernas bambas permitiram. Mal deu tempo de sair do buraco. O besta do meu chefe ja tinha mandado derramar um caminhão de terra sobre ele sem nem se dar ao trablho de verificar se eu tinha conseguido sair da galeria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele apenas disse:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">- Era uma decisão urgente. Não podia deixar aquelas coisas saírem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Olhei para ele enfurecido. E sem mais delongas desfechei um soco na sua cara.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">- Tu sabia de tudo, né? Tu e teus chefes. – Eu senti que esta era a verdade, porque já tinha visto algo parecido em outra época, embora sem os monstros. - Eu ainda tava vivo cara. Tu ia me soterrar com aquelas coisas e eu ainda tava vivo!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele somente baixou os olhos. Virei às costas e fui embora. Ali não era mais meu lugar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Com certeza eu deveria ter ido para o hospital. Mas acabei em casa, todo dolorido, com febre e querendo desesperadamente um banho. Eu tinha material médico em casa suficiente para tratar os machucados. Também comecei a arrumar uma mala com minhas roupas. Amanhã vou deixar Rio Grande. E espero que para sempre.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Pego uma toalha, deixando o resto dos preparativos para depois, porque, sinceramente, preciso dormir. Se não fizer isso acho que morrerei de estafa. Vou tirando a roupa devagar porque tudo está doendo, meus braços, principalmente o que machuquei diversas vezes na noite de hoje, e as pernas. A cabeça lateja sem parar e o arranhão nas costas coça e parece que começou a expelir algo meio gosmento.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando tiro a camisa percebo o inchaço do braço, que também está purulento. Dou uma olhada nas costas, pelo espelho, e vejo a vermelhidão se espalhando, deixando as veias visíveis como um pequeno mapa. O mesmo líquido que sai do braço também está escorrendo do ferimento.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enfim, tomo o banho que preciso e me dirijo para a cama. Estou com tanto sono que mal consigo manter os olhos abertos. Olho o relógio. São 22h e, no entanto, parece que vários dias tinham passado. “Talvez tenham”, penso, “quem sabe naquelas galerias as coisas sejam diferentes”. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então, fecho os olhos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Apago.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acordo mareado. A claridade da lâmpada que esqueci acessa fere meus olhos. Protejo eles com a mão, apesar da visão embaçada, noto que ela está meio diferente, os dedos parecem estar se unindo. Deixo isso de lado e rumo cambaleando até o interruptor; vou apagando as luzes pelo caminho até chegar à cozinha. O relógio da parede marca 1h da madrugada. Meu corpo ferve. Quando toco meu rosto percebo que os olhos estão com uma protuberância esquisita.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Vou tropeçando até o banheiro com um medo enorme, apesar de já saber o que está ocorrendo. Eu nunca fui de tentar fugir da verdade. E lá está ela, diante de mim, no reflexo do espelho, tão terrível quanto as criaturas que vi nas galerias.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Refaço o caminho de volta. Vejo a mala que estava preparando. Não vai servir de nada agora. Pego uma calça qualquer dentro dela e a visto com dificuldade, mas a peça escorrega, a diferença entre minha cintura e meu tronco já está bem acentuada. Pego um cinto e enfio de qualquer jeito, conseguindo manter a calça no lugar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“O que faço? O que faço? O que faço?”, é só o que consigo pensar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tento vestir uma camisa, mas ela não entra no meu tronco.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Chorando abro a boca.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Drlfagasssss.- E a voz começa a sumir terminando num zumbido. Levo as mãos aos lábios. Só tenho agora meus pensamentos. Mas, por quanto tempo? Quanto tempo ainda tenho?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Pense rápido, seu idiota? O que tens que fazer? Vamos, tu ainda é um cara inteligente. O que tu DEVE fazer?”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acabo lembrando de que existe outra elevatória de esgoto que está sendo construída na cidade. Não penso duas vezes. Apesar do calor, pego um capote grande no armário, que uso no serviço, quer dizer, usava, agora não ia mais precisar dele. Me visto e saio em disparada pela porta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quase já não sinto mais o mal estar. Tenho que chegar na obra antes que tudo mude irreversivelmente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A mutação está quase completa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">*****************</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Em algum ponto do centro de Rio Grande:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Vamos com isso gente, precisamos terminar esse buraco hoje.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os peões trocaram olhares zombeteiros entre si. O encarregado fingia mandar e eles fingiam obedecer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Contudo, naquele dia conseguiram terminar de esburacar a rua para que mais um elevado do esgoto fosse construído na cidade gris que agora tinha um céu esquisitamente avermelhado, tanto pela manhã, quanto ao entardecer. Os peões jogaram suas ferramentas no caminhão, subiram para a boleia e se foram felizes por terem acabado pelo menos a escavação. Um vigia ficou no trailer de madeira para cuidar das coisas, mas como de hábito acabou dormindo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O homem gordo e com olheiras profundas acordou sobressaltado pelo som de algo metálico batendo contra pedras. Levantou-se com dificuldade e ficou escutando. O barulho vinha do buraco da obra. Pegou uma lanterna. As pilhas já estavam fracas, mas deveriam servir para a breve verificação que ele faria. Não queria correr o risco de dar de cara com nenhum crackeiro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Dirigiu-se ao local e apontou a luz fraca da lanterna para o buraco. Viu um vulto meio torto que batia com uma picareta numa espécie de piso de tijolos que tinha encontrado depois de escavar um pouco mais a areia do local. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Hein, cara? O que tu tá fazendo aí? – perguntou tentando manter uma voz grossa de autoridade. – Quero que tu saia daí agora. Podes te machucar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas o vulto encapotado não se virou, nem respondeu. Continuou fazendo o que estava fazendo, sem se importar com suas ordens. O vigia bufou. Resignado começou a descer pelo buraco.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi quando ouviu o barulho. O vulto estranho deu dois passos para trás, enquanto uma cratera no chão se abria. O vigia se assustou e escorregou até o fundo da escavação. Mesmo assim, aquela coisa escura não se virou. Ele se levantou sacudindo a areia das pernas da calça do uniforme e se aproximou, agressivo, do encapotado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Eu não disse que tu tinha que sair do buraco? Olha o que tu fez! – disse segurando o braço do vulto e virando ele em sua direção.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi quando viu a cara da criatura e se horrorizou. Abriu a boca para gritar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas não teve tempo, o monstro mordeu sua face e, agarrando-se ao corpo do vigia gordo, puxou-o consigo para as profundezas da cratera que tinha aberto. A criatura começou a arrastá-lo pelo chão do que parecia uma galeria subterrânea, enquanto uma caçamba de areia começava a ser derramada sobre o buraco. O vigia não sabia explicar como a aberração tinha feito aquilo, mas o fato era que ele estava irremediavelmente preso naquela escuridão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, não seria por muito tempo. A criatura o soltou, mas quando achou que ela lhe deixaria em paz, a monstruosidade pulou sobre seu corpo e começou a devorar uma parte do seu braço.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele só podia gritar. Mas sabia que ninguém iria ouvi-lo. Era tarde demais, já devia estar amanhecendo em Rio Grande. Seus moradores iriam passar por aquele buraco e nunca iriam imaginar o que estava acontecendo debaixo dele.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Depois de se refestelar com o corpo do vigia, o monstro resolveu explorar sua nova habitação. Não sabia quando iria se alimentar novamente. Mas, o mais importante é que estava vivo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sempre estaria, porque com seu parco raciocínio ele compreendia que nem mesmo monstros desejam morrer. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eles lutarão bravamente por suas vidas infectadas e infelizes.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-88050553111346080272015-02-08T15:19:00.001-08:002015-02-08T15:20:54.622-08:00PERFURO CONTUNDENTE<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Duas adagas límpidas, com seu brilho levemente fosco, atingiram sua alma e a perfuraram.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ouviu um sussurro perto de sua cara:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Tu estás nos surpreendendo!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela não conseguiu dormir desde então.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">P.S.: Falta muito pouco. Vão atrasar uns dias, mas eles vêm a galope.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">Os 'Dias Vermelhos' estão chegando.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">Visita a curte <a href="https://www.facebook.com/perdidoscontos?ref=hl" target="_blank">https://www.facebook.com/perdidoscontos?ref=hl</a></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-4909625840088033292015-01-22T03:29:00.001-08:002015-01-22T03:31:41.281-08:00P.S.: SEM PALAVRAS<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Hoje minha mente amanheceu vazia. Sem sons, sem imagens, sem lembranças. Foi até emocionante escutar o silêncio que retinia na minha cabeça, porque, sabe, ela nunca está quieta. Está sempre retumbando algum argumento, criando alguma trama ou, então, refletindo sobre conhecimentos quase completamente inúteis.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas a alegria, de ver minha cabeça assim quieta, durou poucos minutos, porque me dei conta de que no meio deste silêncio abençoado, surgia um ponto de interrogação que eu não podia responder e, por isto, se tornava bastante inconveniente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Como o cérebro estava vazio eu perdi a identidade. Eu não encontrei as minhas memórias, os acontecimentos da minha vida, todas aquelas coisas que me tornavam 'eu'. Simplesmente assim: eu não lembrava quem eram meus pais; quando eu tinha nascido; onde havia crescido; se tinha casado ou não; se tinha filhos; se tinha estudado; se trabalhava e onde. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Esse fato se tornou um tanto preocupante, porque eu não sabia exatamente onde estava e para onde deveria voltar; se é que eu tinha um lugar para voltar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Aí me sentei aqui no canteiro desta praça para tentar encontrar uma solução, mesmo que temporária, para a situação em que me metera, embora eu nem me recordasse como tinha parado nesse lugar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Felizmente, eu nunca fui uma pessoa de me enervar com facilidade. Mesmo diante de alguma situação arriscada, eu conseguia ficar em paz. Por isso que pareço estar apenas desfrutando da sombra das árvores.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quer dizer, eu sinto que era ou sou assim, porque, sabe, deves estar pensando como sei que sou assim ou assado se eu perdi todas as memórias passadas e recentes. Mas é porque tenho essa sensação, de que falei, que consigo controlar os nervos, mesmo quando a ratoeira já estalou no meu pescoço. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então, como dizia, eu me sentei aqui e fiquei buscando algo que pudesse me dar uma direção ou uma indicação de quem eu era, ou sou, para poder retornar para não sei onde. Afinal eu não podia ser assim, feito uma página em branco num caderno que foi pouco usado pelo aluno. Deviam estar preocupados comigo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Se é que eu tinha alguém que se preocupasse comigo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No meio deste estado de concentração absoluta em buscar informações numa mente que nenhum sinal de senso de pertencimento, ou de identificação, apresentava, observei as roupas que eu estava usando. São estas mesmas que uso agora: calça, camisa e sapatos brancos. Quer dizer, deviam ter sido, porque agora estão muito enxovalhados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Será que passei muito tempo nas ruas? Apanhei muita chuva? Há quanto tempo não tomo banho? Perguntas sem respostas, naturalmente, porque não lembro ou não quero lembrar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Aliás, sabes se estou cheirando mal? Ah! Não queres te aproximar muito, porque não me conheces, deves ter desconfiança de alguém que anda assim, desmemoriado, pelas ruas, com roupa branca suja. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Deve até cheirar mal”, este, com certeza, é teu pensamento diante da minha pergunta. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sim, devo ter um cheiro ruim porque as roupas dizem que perambulo por aí a mais tempo do que penso, neste estado bom e mal de não ter memórias, de não ter ninguém ou nada com que me preocupar. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Portanto, não te pedirei o favor de novo, descansa. Creio, também, que não te falarei destes meus desencontros, pois percebo que já me olhas de forma estranha, como se quisesses me afastar de ti, ou, ao menos fingir que não me vês. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas e agora, o que é isso? O que te acontece? Agora queres me segurar! Estás prendendo meu corpo com garras de aço, apertando minhas margens. E me cheiras até! </span><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">E o que é isto na tua mão? Uma arma? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Não, não faz isso, por favor, não. Isso dói, isso dói muitooo. Por favor!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">......</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sentada num banco na praça, a moça observava a cena a suaa frente curtindo uma mistura de curiosidade, espanto e certa melancolia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A princípio, a criatura enxovalhada pela chuva e pelos dias em que ficou exposta as intempéries desfrutava uma paz quase beatífica. Seus cabelos compridos estavam emaranhados pela sujeira. Suas roupas nada mais eram que uma calça velha e ensebada, marrom, e um par de chinelos de dedo gasto pelas andanças nas vias públicas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Seu rosto, transfigurado por uma barba mal aparada de um lado, era tão sujo quanto o resto do corpo. E mesmo um tanto distante, ela podia perceber que os olhos escuros eram um misto ondulante de loucura e sanidade, não sabia dizer se pelas dores que sofreu ou pelo uso de alguma droga lícita ou não.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Às vezes dormitava esta criatura, as vezes levantava, dava uns passinhos em alguma direção, mas acabava voltando para o lugar que hoje escolheu para ficar: um dos canteiros da Praça Tamandaré, debaixo das árvores, porque o sol tinha caído sobre Rio Grande e consumia pedras, casas, insetos e pessoas, num fogaréu invisível.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas algo quebrou esse estado de semi-atividade daquele ser que ela já tinha percebido que perambulava pelas ruas da cidade há mais de dois anos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele se levantou e se dirigiu a uma das lixeiras existentes na praça e que, muitas vezes, os passantes não usavam para depositar os dejetos que produziam displicentemente. A criatura remexeu ali, circulando o círculo para lixo, como se precisasse ver de todos os ângulos para descobrir o que queria.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Deve estar procurando comida”, pensou a observadora impassível. “Acho que eu vou...” </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Não completou o pensamento, porque quando ia levantar, aquilo que deveria ser um homem parou repentinamente de rodear a cesta. Aproximou a cabeça da boca de lixo, olhou bem olhado, depois enfiou o braço lá dentro, remexendo o conteúdo, puxando rapidamente algo para fora. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era um caderno, aparentemente. Meio enxovalhado, mas a moça percebeu, enquanto o tal vagabundo virava algumas folhas, que o mesmo estava praticamente vazio. O sujismundo pegou o caderno, enfiou debaixo do braço, fedorento com certeza, e voltou calmamente para seu lugar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Jogou o achado em cima do pano decrépito que usava como cama. E se recostou numa árvore ao lado dele. Volta e meia olhava desconfiado para o caderno. Às vezes parecia murmurar alguma coisa. No mais das vezes só olhava fixamente para ele.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Até que num ato de violência sem sentido catou o caderno do chão. Sentando-se, o apertou com força contra suas pernas raquíticas, com uma cara meio angustiada, meio raivosa, até que abriu o mesmo pela metade e sacou de um bolso qualquer da calça um objeto. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era uma caneta esferográfica. Parecia ser algo que a besta humana carregava com cuidado, apesar de não zelar por mais nada em si mesmo ou ao seu redor. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Empunhou a caneta como se fosse a espada com a qual lutaria a última batalha de uma vida inteira de guerras entremeadas de períodos de uma paz inexistente. Fulminou o papel com mãos trêmulas e murmurando palavras que, certamente, eram ininteligíveis. Vez ou outra levantava a cabeça com os olhos fechados, ou apenas passava a mão que segurava aquela faca neles, como se tentasse resgatar alguma coisa há muito perdida. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por fim, pingando suor sobre as páginas violentadas, parou de ferir o papel. Olhou para ele com cara séria. Depois relaxou. Levantou-se, olhou uma última vez o caderno e o jogou, bem como a caneta, para longe de si. Recolheu suas coisas e rumou em direção contrária a que tinha lançado o caderno. Saiu do local vagarosamente para recomeçar suas perambulações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A moça não resistiu. Levantou-se e discretamente caminhou até o local onde o calhamaço de papel havia ido pousar. Abaixou-se e recolheu o que restou do caderno de páginas enxovalhadas e embrutecidas pelo tempo e pelo homem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tinha sido violentado, com certeza, pela mão dura daquela criatura estranha. A folha estava meio lacerada e parecia pingar gotas de sangue azul, que escorriam das letras mal desenhadas que o bruto havia tentado apor no papel.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Diziam:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Fui?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sou?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Serei?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sou...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">despalavreado...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A moça engoliu em seco. Olhou para o caminho que aquele que havia se tornado invisível tomou. E o viu, dando seus passos perdidos rua a fora. Volta e meia ele parava e dançava uma musiquinha imaginária. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E quando dançava levantava os braços, como a pedir palmas pelo show.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Agora ele parecia finalmente libertado.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-12516866998455135052015-01-18T11:50:00.000-08:002015-01-18T11:50:19.563-08:00ENQUETE<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então, os contos a serem escolhidos são os que seguem:</span><br />
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;"><b>FIM DO MUNDO</b></span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ouviu o barulho da porta estourando.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Agora, talvez, tivesse chegado a sua hora. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Abriu os olhos vagarosamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Estava sentado no chão por causa da fraqueza, suas costas contra uma parede sólida de mais de 30cm de espessura, com uma blindagem no meio. Sua visão abarcou um canto meio iluminado da sala. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Havia dois corpos ali, uma mulher e uma jovem, ambos sentindo já os efeitos do calor intenso daquele ambiente lacrado. O cheiro era forte, mas chegava as suas narinas bastante enfraquecido, pois estava perdendo as forças rapidamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quem eram? O que elas estavam fazendo ali? Como vieram parar na sua casa? Só sabia que elas haviam morrido de fome há três dias.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Fechou os olhos e adormeceu brevemente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Abriu os olhos assustado. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Percebeu que se encontrava de cócoras num canto da sala. Ao seu lado menos de meia garrafa de água, nada para comer. Os estoques haviam acabado 48 horas atrás, quando elas morreram. Mas não foi sua culpa, havia tentado fazê-las comer o pouco que ainda tinha, mas não quiseram, estavam apavoradas e ele não entendia porque, afinal estava fazendo tudo para mantê-las seguras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas sua mulher sempre fora teimosa, rancorosa. Quando ele foi procurá-la para explicar o que estava acontecendo, ela não acreditou. Teve que arrastar a mulher a força, junto com a filha deles, de 15 anos, para sua casa onde tudo estava preparado para a situação que estava ocorrendo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A secura na sua garganta doía, o seu estômago roncava, mas agora não tinha mais vontade de comer. Elas tinham deixado de existir e tudo o que tinha feito até ali acabou perdendo o sentido. Sua existência deixou de ter uma razão. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A intensidade da perda era tão grande que preferiu fechar os olhos, talvez tudo fosse um sonho, ou se não fosse, ainda tinha uma pequena possibilidade de que elas estivessem respirando, com dificuldades, mas ainda vivas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Contudo, não podia sair de onde estava para verificar, muito menos tinha forças para isso, porque, em seu coração sabia a resposta: elas haviam morrido. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tudo era irremediável. Manteve os olhos fechados até que a escuridão ao redor adormeceu sua consciência temporariamente. Pelo menos, nesse estado, não sentia dor nem vergonha.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Repentinamente uma claridade que estava perdendo, pouco a pouco, o brilho, incomodou seus olhos. Colocou a mão sobre estes e os abriu devagar, até se acostumar com essa luz que, embora fraca, lhe provocava náuseas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Estava em pé perto de uma parede, com algo nas mãos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Viu duas pessoas num canto, encolhidas. Era uma mulher e uma adolescente. Não entendeu. O que elas estavam fazendo ali? Sua esposa e sua filha. Elas nunca voltariam a sua casa espontaneamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas não. Agora lembrava, não eram elas. Sua mulher e sua filha haviam morrido há cerca de dez anos. Não sabia quem eram as duas pessoas que estavam ali.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"></span><br />
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Só sabia que elas haviam morrido de fome há cerca de 24 horas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">[continua?]</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><b>DIAS VERMELHOS</b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><b><br /></b></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A atmosfera mormacenta do outono expele um ar inqualificável sobre a cidade do Rio Grande. O que se sente não é um odor totalmente bom ou ruim, mas certamente é desconfortável. Os moradores da cidade gris sabem que o ar aqui é diferente: carrega algo que fica a espreita, numa semiescuridão ofuscante, buscando presas nem sempre tão puras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Respirar em Rio Grande sempre foi como ter os pulmões cheios de água e, ao mesmo tempo, secos como o deserto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas o engraçado é que por estes dias o tempo tem estado assim, tão confuso quanto o ar: enregelante quanto a temperatura, embora muito quente quando menos se espera. E estranhamente silencioso, apesar do barulho que as pessoas e os carros que invadiram a cidade estão fazendo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando amanhece o céu apresenta uma cor avermelhada, que certamente seria considerada normal, não fosse o fato de que este colorido específico pertence à outra estação do ano. Eu percebo a diferença porque moro aqui desde sempre e entendo as nuances que existem no clima e na natureza local. No entanto, de uns tempos para cá, a coisa tem mudado de figura e as estações se mostram meio rebeldes, chegando antes ou depois.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sim, tem toda essa história de aquecimento global, de degelo das calotas polares, de poluição, etc., cientificamente comprovadas. Mas as coisas que tenho visto ou apenas pressentido quando ando pelas ruas de Big River não são fruto somente das coisas que falei, como costumam pensar os estudantes e ambientalistas daqui.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tem algo estranho ocorrendo no céu e no subsolo riograndino. Meus ossos sentem e estremecem. Sinto no pescoço a respiração ofegante e ansiosa de algo que ainda não consegui identificar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Hoje quando saí de casa o céu estava novamente avermelhado; de um vermelho difícil para alguém descrever. A cor escorria pelo céu de forma esquisita, enquanto o sol meio atrasado de outono começava a tomar conta do dia. As nuvens recortavam a cor enquanto deslizavam pelo ar, dando a impressão que o dia estava pingando sangue.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu saí para a rua sabendo que somente conseguiria voltar um tanto tarde da noite, por causa da minha profissão. Eu cavo buracos, na cidade mais esburacada que conheço, para tentar consertar estragos na rede de esgoto. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Deve ser por isso que pressinto a diferença no ambiente riograndino. Os buracos sempre me colocaram frente a frente com os mais estranhos segredos da minha cidade. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Cheguei ao canteiro de obras no caminhão da empresa, junto com cinco companheiros de trabalho. Eles pareciam que nunca tomavam banho, a cara besuntada pelo sol era escurecida, mas também havia um pouco de sujeira por ali. Isso se percebia pelo cheiro de suor, poeira e bebida que pelo menos três deles exalavam fortemente, os outros dois ainda tentavam disfarçar. Era difícil ver mudas de roupas diferentes sobre os corpos deles também.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Isso me dava certo nojo. Infelizmente sou daqueles que não consegue passar sem um banho e ao menos duas trocas de roupas por dia. Eu nunca me dei bem com sujeira. Não sei como acabei nessa profissão. Ou talvez saiba, mas não admito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O buraco havia começado a ser escavado há algumas semanas. Deveria ser bem profundo, pois a empresa iria instalar uma estação elevatória de esgoto. O progresso estava chegando a Rio Grande e o lençol freático não ajudava a melhorar a infraestrutura envelhecida da cidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas a obra incomodava os moradores porque parecia nunca ter fim. Eu somente observava a cara de insatisfação dos passantes, enquanto eles observavam a empreitada que parecia nunca acabar e a nós que parecíamos nunca trabalhar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tinha até uma menina que costumava passar frequentemente pelo local, seja para ir para o trabalho ou para realizar sua caminhada em dias alternados. Ela olhava desconfiada para o buraco e, às vezes, resmungava que era uma aberração o transtorno causado pela obra, porque impedia o trânsito pelas calçadas, prejudicava o fluxo de veículos e a empresa ainda deixava restos de material jogado pelos cantos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela fazia uma cara de nojo quando tinha que atravessar a areia solta com suas sandálias chiques e quando sentia o cheiro desagradável que vinha do chão violado. Acho que sei porque ela reclamava tanto. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas o que mais perturbava a guria era a profundidade do buraco. Às vezes ela tentava ver o fundo dele, mas não conseguia e isso a deixava com uma cara gozada, misto de espanto, reflexão e medo. Acho que, assim como eu, ela acreditava que aquilo não deveria ser feito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então a escavação chegou a um ponto em que o lençol freático precisava ser rebaixado para que pudéssemos continuar abrindo o buraco maldito. Foi nesse dia que eu comecei a perceber a mudança mais acentuada no céu riograndino. Eu estremeci quando vi aquele tom vermelho no céu. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acho que a moça também percebeu porque, quando passou pela obra naquele dia, ela parou brevemente, olhou através de seus óculos escuros para o negrume do buraco e segurou com mais firmeza sua pasta de trabalho. Depois senti que ela me observava, mas não pude tentar decifrar seus pensamentos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É difícil ler alguém que se esconde por detrás da escuridão de um par de lentes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ela respirou profundamente erguendo os ombros e deixando-os caírem com se um peso imenso e desconhecido houvesse pousado sobre eles. Depois seguiu em seu passo apressado, mas agora não tão confiante, de sempre, balançando levemente a cabeça enquanto passava por mim. Tudo não durou mais de dez segundos em minha opinião. E o jeito dela pareceu confirmar o que eu pensava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Não se devia revirar dessa forma as profundezas do solo de Rio Grande.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por fim, o lençol freático foi rebaixado e a escavação prosseguiu por mais alguns metros. Neste dia, devido à urgência da obra (com certeza, mais em razão das reclamações dos cidadãos descontentes) iríamos trabalhar até a madrugada, revezando para descansar na cama vagabunda de um trailer de madeira que tinha sido colocado no canteiro. Servia também para que, nos intervalos, pudéssemos comer uma refeição fria e nojenta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi nessa noite que a escavadeira bateu em algo sólido, fazendo um barulho de pedra contra aço. Achamos que poderia, apesar do tipo de solo existente em Rio Grande, ser uma pedra grande o suficiente para causar o barulho estranho, mas que seria removida rapidamente com o maquinário, e a obra prosseguiria rumo ao seu fim.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Para tentarmos descobrir o tamanho da pedra e removê-la, sem derrubar a frágil estrutura feita de sarrafos que segurava as paredes de areia da escavação, eu e alguns colegas descemos pela escada para dentro daquele poço escuro com pás, picaretas e até vassouras. O responsável achou por bem dirigir todas as luzes de iluminação improvisadas para o interior do buraco, ideia mais do que óbvia, em vista do perigo que existia no local.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Eu não ganho para isso”, pensei naquela hora, sentindo um arrepio ao entrar naquela cavidade que parecia uma boca esfomeada. Lembrei da sensação que eu tinha tido quando a moça olhou pro mesmo lugar. Senti um arrepio percorrer meu corpo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas retiramos o máximo de areia possível e tentamos definir onde a pedra começava e terminava. Nós varremos a terra, raspamos o ‘fundo’ do buraco em todas as direções, batendo as pás contra a superfície, que soltava fagulhas ao contato do metal, enchemos e esvaziamos baldes com terra, mas estranhamente não conseguimos delimitar o tamanho da pedra que obrigou a máquina a parar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Decidimos então levar suportes de luz lá para baixo para verificar a situação e, se fosse necessário, interromper o trabalho até o dia seguinte (o que nos deixaria muito felizes) para que o engenheiro decidisse o que fazer. Afinal, nós éramos apenas peões e se algo desse errado durante a noite a culpa seria jogada sobre nossos ombros embrutecidos, mas sem costas quentes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando as luzes foram posicionadas entendemos porque não havia como delimitar o tamanho do pedregulho. Na realidade, se tratavam de várias pedras, rejuntadas com uma argamassa muito velha, formando uma espécie de calçada ou piso. “Talvez a gente tenha batido contra a fundação de uma dessas casas antigas e históricas que haviam sido arruinadas pela ganância”, eu estava refletindo quando um colega exclamou:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Tchê! Acho que achamos uma das galerias secretas que tinham nos fortes aqui do Rio Grande! – disse o Zé, se ajoelhando para sentir a aspereza das pedras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu revirei os olhos. Mais um daqueles!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Se tu lesses um pouco, saberias que isso não existia aqui. O forte que tinha nessa região foi totalmente destruído. Somente na Praça Sete de Setembro se encontram alguns restos de um dos fortes e isso se a pessoa cavar bem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Hunf! – Zé deu de ombros e me olhou com aqueles olhos vesgos e meio desvairados que eu já conhecia a um par de anos. – Se tu lesse um pouco de outras coisas além de livros de história, tu ia ficar sabendo que muitos riograndinos acreditam que os portuga construíram galerias subterrâneas nos fortes para esconder os tesouros que roubaram dos hermanos, dos índios e dos barcos que saqueavam aqui na costa. Eles eram piratas também, ouviu? Pode bater aí, cara. Tu vai ouvir um som oco. Se isso acontecer não vai ter como negar os fatos. – Ele me disse com os olhos chispando e apontando a mão trêmula pela excitação para o chão empedrado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Ok, ok. Vamos testar tua teoria. – eu disse conciliador e zombeteiro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Peguei uma picareta, bati e...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nada. Nada de nada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Zé me olhou com raiva.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Tu parece uma mulherzinha batendo com essa picareta! – Ele rosnou, pegando a ferramenta das minhas mãos. Eu tratei de me afastar. Sabe-se lá o que ele ia fazer. – Tem que bater assim, ó! – Ele disse levantando a picareta e largando ela com toda força sobre as pedras.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">[continua?]</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-67195921035093145342015-01-14T05:46:00.004-08:002015-01-14T05:46:58.903-08:00YIN E YANG<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Precisava colocar em algum lugar o que estava pensando. Não conseguia encontrar o recipiente correto e isso estava aumentando não só a urgência de se livrar daquilo que gritava em sua mente e parecia ecoar no ar, mas também a necessidade de vomitar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era estranho isso: sentir o vômito na garganta toda vez que queria gritar alguma coisa e não conseguia. Acreditava, ou ao menos tinha a percepção, de que quase ninguém sofria desse mal. Como explicar isso? Simplesmente parecia que, se não gritasse, iria involuntária e incontinentemente expelir uma gosma com tudo que estava pesando no estômago e no cérebro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">As pessoas costumam sentir diferente e talvez fosse essa a forma que tinha de sentir bem ou mal estares.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No momento era uma mistura das duas sensações: era bem estar porque finalmente algo de sentimentalidade ainda existia no seu interior; e era mal estar por não saber mais como sentir os sentimentos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O cérebro captava o sol na rua e sentia que iria trabalhar melhor. O coração via o tal corpo celeste e ficava pensando na possibilidade tangível de que seria novamente rasgado até o fim do verão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Admitia: uma paixonite meio adolescente contribuía para isso, o que não causava em si um sentimento de elevação de sua autoestima. Ao contrário, percebia que isso bem poderia resultar em algum transtorno presente ou futuro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Além disso, tinha toda uma gama de responsabilidades para cuidar, portanto, devia deixar de lado os devaneios quase românticos que às vezes assaltavam seu corpo adulto e davam um pouco de conforto para seus dias mornos, por vezes, insuportavelmente tomados pela monotonia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, bem sabia, que todo mundo precisa de um pouco de sal ou doçura em seu cotidiano, mesmo que não seja dado a ilusões ou que tenha plena consciência de que não passa apenas disto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enquanto isso vivia interagindo com uma gama de livros que ajudavam, seja a matar o tédio, seja a matar sua pessoa do mesmo mal. Eram livros pesados, com centenas de folhas, discorrendo sobre possíveis saídas para problemas alheios, ou contribuindo para transtornar qualquer forma de solução.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Há muito tempo já tinha aprendido que o que era tido como a resolução perfeita para as coisas se transmutava justamente na imperfeita forma de agravar o problema. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Isso irritava sua mente, com toda certeza, que não era dada a contemplações diante do que era aparentemente injusto. Por isso, vinha tentando domar seu conceito próprio; adaptá-lo ao pensamento público e notório de que aquilo que para si era uma violação de direitos, bem poderia significar para uma grande parcela da população algo perfeitamente natural.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então, as contraditórias sensações bem estar/mal estar digladiavam em seu interior. Nenhuma delas recuava, por isso seguia nesse vai não vai de alegria e tristeza conjugadas, porque sempre teve consciência de que isso era costumeiro em sua vida desde sempre.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Assim, persistia em carregar as duas(des)aventuranças com certa tranquilidade, pois se sabia dúplice desde que se descobrira gente na cidade gris.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A descoberta dessa esquisita duplicidade (quase um caso Dr. Jeckil, Mr. Hyde) ocorreu aos cinco anos de idade quando percebeu que seus bonecos não eram totalmente do seu agrado. Escalpelou alguns, queimou outros, condenou ao ostracismo os restantes, mantendo-os longe de si, mas perto o suficiente para, eventualmente, acarinhá-los ou torturá-los.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Se a destruição ou tortura psicológica de brinquedos estivesse entre os aspectos que definem um possível psicopata, certamente acabaria por se enquadrar nesta patologia psiquiátrica.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Contudo, parece que isso ainda não entrara para tal rol, por isso entendia que nada havia de errado com sua psique. A não ser o fato de querer guardar seus pensamento e sentimentos em recipientes ou sentir vontade de vomitá-los quando percebia um deles se insinuando em sua mente ou corpo contra sua vontade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Na realidade”, concluiu, “talvez essa mistura estranha fizesse fazer parte da tríade da sociopatia. Afinal, ser dúplice pode ser considerado normal? Ou o normal é ser dúplice?”</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Perguntas difíceis de serem respondidas. Por isso engavetou seus dilemas. Ocultou sua esquisitice a golpes de rebenque e continuou em sua rotina sem que outros suspeitassem de suas crises de dualidade. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas desenvolveu o mau hábito de acordar todos os dias às 03:56 da madruga. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era quando via, no canto escuro do quarto, um par de olhos flamejantes rindo um risinho nervoso de quem tinha ido dar um passeio sem contar aos pais e era flagrado justamente quando estava entrando no quarto, acreditando que tinha praticado o crime perfeito. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Em sua frágil sabedoria decidiu nunca perguntar como eram os passeios daquela criatura desconhecida, mas estranhamente familiar.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-85596188303444192132014-12-27T05:19:00.000-08:002014-12-27T05:19:08.244-08:00A TEMPESTADE<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Dizem os teóricos e os residentes de certa cidade do extremo sul do país que, quando uma tempestade se aproxima, devido a carga de eletricidade que ela traz consigo, tanto os objetos, quanto os seres vivos, podem sofrer alguns fenômenos corporais ou, até, mentais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Se esta é a expressão máxima da verdade, ou se tal teoria já foi provada cientificamente, é coisa para a qual eu ainda não vi uma resposta definitiva, seja em livros da área, seja em aulas ministradas pelos professores que destes fenômenos terrestres entendem mais do que eu.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Certamente, por experiência própria, ou por uma ou outra história a mim repassada, eu manifesto a tendência de acreditar que esses relatos condizem com a realidade; que ocorrem de fato e que, se houvesse um maior interesse em explicar esse fenômeno da natureza, causado pelas tempestades, ele já deveria constar dos livros didáticos, principalmente para que os cidadãos do mundo, e de cidades onde temporais se formam com mais frequência, pudessem estar preparados para as diversas reações físicas e mentais que a chuvarada, caindo impetuosamente pela terra, bem como fazendo explodir nos céus raios e trovões, pode causar nos seres humanos de bem, ou não, que residem nesses locais estranhamente influenciados pela maresia e ventania que açoita ruas, prédios e campos abandonados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E para demonstrar a veracidade do que descrevo irei narrar uma situação, uma única, que comprova que animais e homens - digo homens para usar o substantivo genérico que inclui os machos e as fêmeas da espécie humana - sofrem, mesmo sem saber, a influência das monções, principalmente daquelas que se originam em tempestades formadas repentinamente e vergam a vontade de todos os seres que por elas são atingidos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Julia era uma moça quieta, considerada por familiares, amigos e vizinhos como uma criatura meiga e prudente, digna de uma confiança quase cega por parte destes. Nunca um gesto ou ação levantou qualquer suspeita sobre seu caráter e predisposição a boa paz.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A guria vivia tranquilamente, sem grandes arroubos de sentimentalidade, além de alguns momentos em que externava uma alegria mais intensa do que seria de se esperar, ou uma tristeza mais profunda do que o necessário por aqueles que, aparentemente, sofriam alguma injustiça.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Julia era uma pessoa extremamente justa, talvez eté um pouco demais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Apesar disso, sua família e amigos conseguiam conviver com os pequenos excessos que ela mostrava por conta desta característica.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Pois bem, num dia de forte calor que se abateu sobre o arquipélago em que vivia (alguns teóricos dizem que, na verdade, é um istmo), Julia acordou com uma leve dor de cabeça e um quebrantamento no corpo que não conseguia explicar. Achou que deveria avisar sua mãe e ficar na cama. Afinal poderia estar entrando em seu período mensal, que, geralmente, era torturante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, contrariando sua natural prudência, embebida de uma coragem que poucos sabiam que ela ocultava, Julia resolveu enfrentar o mal estar e dar conta das suas lidas diárias. Vestiu-se com o normal aprumo e simplicidade e dirigiu-se para a cozinha, onde tomou o café preto com duas fatias de pão caseiro, como era seu hábito de guria criada sem frescuras e num Estado em que se gostava de preservar as tradições.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando levantou-se da cadeira, sentiu um tonteira, que fez a cozinha rodopiar diante de seus olhos, ao mesmo tempo em que ouvia sons estranhos, como os compassos de uma música que, por mais que ela não quisesse, deixava uma vontade incontrolável de sair deslizando pelo ar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ouviu vozes, também, que convidavam Julia para dançar ao som daquela música esquisita; que diziam que ela poderia fazer o que bem entendesse que ali, naquele lugar, ninguém daria atenção para os desvarios que praticasse, nem condenariam suas ações.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Julia temeu por si, por sua sanidade e pela vida pacata em que vivia. Achou que deveria estar pior do que imaginava. E se estivesse ficando louca? Certamente, se alguém da casa descobrisse o que estava acontecendo seu destino era certo, como já muitas vezes vira acontecer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A guria fechou os olhos com força. E repetiu para si mesma, diversas vezes, que aquilo era passageiro, que era causado pela forte onda de calor que estava recaindo sobre a cidade. Repetiu tudo isso até que sentiu que nada mais rodopiava, que a música tinha sumido e as vozes haviam se calado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Abriu os olhos e notou que tudo retornara a normalidade. Suspirou aliviada. Em outra ocasião isso já havia acontecido, mas nunca desta forma, nunca assim tão intensamente a ponto de quase quebrar sua força de vontade. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Julia recolheu a caneca vazia, que exalava o cheiro do café, e a faca que usou para passar a manteiga no pão. Dirigiu-se para a pia e ali depositou os objetos para lavá-los. Foi quando olhou pela janela, que se abria para o quintal que tanto gostava, onde sua mãe cultivava um pequeno jardim e algumas arvores frutíferas. Ela olhou para aquele recanto com uma alegria contida, pois amava deitar-se sobre as árvores para ler e para pensar na sua vida. As vezes ela dormia ali. Quando acordava, as vezes sentia que algum sonho estranho a tinha transportado para um lugar que ela não deveria ir. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nessas ocasiões, que, em geral, eram precedidos de alguma chuva, ela acordava com a boca seca, um gosto de álcool na garganta e a boca como que sugada, embora ela não soubesse pelo quê.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Afastou esses pensamentos sombrios da mente e olhou para o céu. Assustou-se. O anil que revestia a abobada estava sendo tragado por um tom escuro, cinza plúmbeo, carregado e estarrecedor. No mesmo instante, os pelos de seus braços se arrepiaram e ficaram levemente ouriçados, como se tivessem sido atingidos por milhões de pequenos choques elétricos, seu corpo sentiu a vibração dos raios e trovões que soavam ainda muito longe, o que aumentou a temperatura corporal da menina.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Já não era um mal estar que Julia sentia. Era uma vontade irresistível de sair daquela casa e dançar debaixo daquele céu nefasto e comungar com a chuva que ela, com certeza absoluta, sabia que iria desabar sobre a cidade portuária em que morava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nisto sua mãe entrou na cozinha,dizendo:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Vem temporal aí, minha filha. Sai de perto da janela. Me ajuda a tapar os espelhos e... - a mãe parou de falar e observou as costas rígidas de sua filha, que estava com as mãos apoiadas na pia. - Julia, está tudo bem? - a zelosa criatura perguntou para a guria que nem um movimento apresentava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Julia não estava ouvindo sua mãe. Ela só ouvia o som da tempestade se aproximando, a intensidade dos trovões e raios que disputavam entre si quem era o senhor do ar. E as vozes. Ela ouvia aquelas vozes que a convidavam para bailar nas poças de água, dar as mãos as gotas de chuva e se deixar levar pelo compasso de uma música que só era possível ouvir na natureza.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A mãe se aproximou da filha e tocou seu ombro com cautela.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Julia? - chamou sussurrando, para evitar de assustar a menina, afinal já não era a primeira vez que ela via a filha naquela estranha posição.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Julia se virou calmamente. Os pelos dos braços ainda arrepiados, o coração a batucar num ritmo alucinante, o sangue a correr por suas veias com uma tal força e intensidade que ela simplesmente pedia que ele não parasse mais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A menina encarou a mãe por um momento e baixou a cabeça, enquanto a senhora tentava acordar a filha, chamando por seu nome e dizendo que estava tudo bem, que tudo ia passar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Repentinamente ela levantou a cabeça. A mãe deu um passo para trás, levando a mão ao peito, sobre o coração, que, neste instante, sofreu uma breve parada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Julia? Quem é Julia? - a moça perguntou com um sorriso zombeteiro no rosto. - Acho que ela foi dormir um pouquinho Dona Maria. - E a criatura que Dona Maria viu diante de si saiu rapidamente de perto de si, abriu a porta da cozinha justamente quando as primeiras gotas de chuva começavam a despencar com força sobre a terra ressecada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Dona Maria viu aquela que era e não sua filha rodopiar debaixo da saraivada de água que os céus derramavam sobre o quintal até que seu vestido branco ficou totalmente encharcado. Depois disso, a aquela china desavergonhada parou um instante. Olhou para a porta da casa, onde Dona Maria havia se postado, soltou uma gargalhada e gritou:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Não se preocupe, Dona Maria, sua filha esta bem cuidada. - A criatura abanou para a senhora que escorregava aos prantos em direção ao chão, e saiu correndo em direção ao fundo do pátio, onde pulou com desenvoltura, como se já houvesse feito isso centenas de vezes, o muro que circundava a casa em que Julia morava e era protegida.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Nunca mais Dona Maria viu a filha. Seu coração partiu-se naquele dia, mas ela sobreviveu, vivendo da vã esperança de que, na próxima onda de calor e tempestade bravia que se abatesse sobre a cidade, Julia retornasse para casa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Dizem alguns que é comum ver nos bailes da cidade, uma menina de branco, meiga e terna, que entra sem fazer alarde, mas que após ouvir os primeiros acordes de uma música qualquer, se transmuda como uma tempestade, e vira a dona do baile, quase china sem ser de verdade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-50284283923990031602014-10-25T05:56:00.001-07:002014-10-25T05:58:12.979-07:00O AZUL DA PERVERSIDADE<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Estou sentado no sofá, debaixo da escada, local onde sei que muitos ficam esperando. Na minha frente uma porta está aberta para uma sala escura. Acima da minha cabeça, deslizando pela escada, escuto as notas melancólicas de um violino, fazendo meu peito se apertar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Estou aqui sentado; aguardo o momento em que ouvirei meu nome. Então, terei que deixar esse cantinho, confortável e semiescuro, embora tenha uma porta que se abre, como uma boca desdentada e assustadora, para uma sala negra, e por sobre esse canto se apoie alguma coisa invisível e sem sentimentos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No andar de cima o violino para de ser tocado repentinamente. Em seguida, surge uma música, rápida, meio enlouquecida. Sinto o pelo dos braços e da nuca se eriçarem e meus nervos, que parecem normais, se quebram sob a intensidade da escuridão da sala e da música que escuto.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu deveria fugir, mas não consigo. Estou paralisado pelo ambiente que existe aqui. Além do que, fugir para onde? A sala me arrepia, a escada me fere com seus degraus, repletos de silêncios e estalos, e a rua, bem, a rua eu pouco conheço; ela me deixa apavorado com sua claridade, seu barulho e com as pessoas que voluteiam, quase sem sentido ou direção, pelas calçadas. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Tudo é tão confuso lá fora!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por isso, fico sentado, sentindo o suor escorrer pelas costas, com as pernas coladas uma na outra, os braços tensos, as mãos espalmadas sobre as pernas. Elas também suam, e se eu levantar ambas contra a semiluz que vem do corredor será possível ver que elas tremem levemente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Outra vez aquela música triste recomeça: um refrão, depois outro e outro, até que o violino silencia totalmente, depois de acabar com a última gota de coragem que eu tinha.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A hora chegou.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Uma porta é aberta. Ouço passos se aproximando da escada e o peso de um pé no primeiro degrau, que estala sob a leveza de um corpo que se aproxima calmamente. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Na sala a escuridão se adensa. O par de pés, socados dentro de botas lustrosas, chega, enfim, ao primeiro andar, o solado batendo contra o piso de madeira, tão tranquilo e firme ao mesmo tempo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Arrepio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Viro a cara para a escuridão da sala a minha frente. Eu deveria ter entrado nela. 'Seria um alívio momentâneo', penso, soltando o ar que eu havia represado nos pulmões. Chega a doer quando libero o oxigênio que conti.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando volto o rosto, lá está.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O cabelo preto cuidadosamente penteado para o lado, o sorriso branco e aqueles olhos – aqueles olhos onde a perversidade se oculta por detrás de uma azulada inocência.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-35257872403497307712014-08-16T07:20:00.000-07:002014-08-16T07:20:17.370-07:00AV. RHEINGANTZ<div align="center" class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: center;">
<br /></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Como posso me fazer
entender? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Contudo, eu preciso
dizer que, para mim, andar pela Av. Rheinghantz é sapatear no ritmo de outra
época, que já se foi certamente, mas que está tão presente quanto a maresia que
sopra sobre a cidade.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Eu gosto de olhar as
casas do antigo complexo industrial; casas que abrigavam os mestres,
engenheiros ou operários que trabalhavam na antiga fábrica de tecidos. Gosto da
velhice desses casarios, do seu estilo alemão e das figurinhas esculpidas nas
janelas de madeira maciça, que são os olhos dessas habitações que têm um som de
coisas quase esquecidas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Por esse simples motivo
eu não me importo de esperar aqui no umbral da garagem de uma casa mais moderna
e, creio desabitada, enquanto despenca uma chuva fininha, requentada, sobre a
pista de rolagem desta antiga Avenida. Aguardo pacientemente o começo da
apresentação, que vai ocorrer numa das casas de arte de Rio Grande, observando
essas casinhas, tentando imaginar quem já viveu, ou vive hoje, nelas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Gosto de tentar recriar
as histórias, verídicas ou não, que elas contêm. Aprecio ver as rachaduras nas
suas paredes, os fiapos de capim crescendo entre elas, testemunhas do quase
abandono que essas sentem recair sobre si; ou ver as reformas que seus atuais
habitantes fizeram e como isso transformou a alma dessas habitações.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Noto que existem duas
delas que estão à venda. Uma, num aglomerado de casinhas geminadas, com corações
esculpidos nas janelas, que são seus olhos para o mundo de fora. Outra, mais
imponente entre as demais, com pátio próprio, telhado resistente, para proteger
moradores e sombras das intempéries que acometem a cidade gris, tão acompanhada
e solitária ao mesmo tempo, com seu ar de seriedade austera, como teriam seus
proprietários originais.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Concluo que eu bem
poderia morar numa dessas duas casas, independentemente do estado em que se
encontram. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Eu poderia morar nelas
ou num estábulo, desde que eu conseguisse sentir que pertenço ao lugar e
tivesse êxito em conferir um pouco de dignidade ao local. Porque, no fim das
contas, dignidade é algo que se pode encontrar num barraco de chão batido e
escapulir de um palácio, ou vice versa.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mas eu poderia viver em
qualquer lugar: no interior ou na capital, numa vila ou no centro da cidade;
bastaria apenas possuir este sentimento de que pertenço a algo ou a alguma
coisa.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Estranho isso, estar
sem se colocar ou se sentir colocado, sendo e não sendo parte do que te rodeia.
<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Dizem que esta sensação
acomete aquela classe de seres humanos conhecidos como cosmopolitas: pessoas
que pertencem ao universo; vivem bem em qualquer lugar e convivem naturalmente
com todos os seres, inclusive bichos de estimação com tendências neuróticas.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Entretanto, penso que
essa cosmopolidade, que para alguns cai muito bem e é natural, pode descambar
para um sentimento, mesmo que efêmero, de desprezo pelo resto da humanidade que
não consegue se adaptar a idade contemporânea, com seu desapego por tudo e
todos. Afinal, se tu és parte do cosmos, um cidadão do mundo, ou do universo,
como aceitar que outros não possuam as mesmas condições de adaptação? <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Portanto, creio que não. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Eu poderia viver em qualquer lugar, sob a singela condição de que ali, naquele
ambiente eu sentisse essa coisa, que as pessoas comuns sentem, de pertencer ao lugar
em que estão. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Por isso, não sou
cosmopolita. </span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Sou aquele que está sem nunca estar; o que fica sem conseguir
permanecer muito tempo no mesmo ambiente. Sou apenas alguém que deseja a
normalidade das pessoas que pertencem a algo, mesmo tendo consciência de que
nunca obterá esse estado de espírito.<o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Assim, me despeço das
casas que poderiam ser minhas, mas não serão. A peça teatral vai começar. <o:p></o:p></span></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Tenho quase certeza de
que a tragicomédia bem poderá retratar os desencontros em que vivo, durante os
passeios noturnos que faço por esta cidade cinzentamente colorida.</span><span style="font-family: Times New Roman, serif; font-size: 12pt;"><o:p></o:p></span></span></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-50815982080348046812014-05-25T19:17:00.000-07:002014-05-25T19:17:05.620-07:00CAMUFLAGEM*<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Caminha entre errantes.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O cérebro meio vivo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">anda no meio da maioria vegetante</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Caminha com roupas fedorentas </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">e meladas de ferro vermelho</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">amortecendo a humanidade </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">que em si ainda existe</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E eles andam andam andam</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">- Oh! Deus, como andam! - </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">incansáveis em seu rumo perdido</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">buscando saciar aquilo que não sentem.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">São a horda que sobrepuja </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">a minoria em cujo peito algo pulsa.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">E o cérebro meio morto </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">caminha caminha caminha </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Por favor, que os joelhos suportem a jornada! - </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">entre os errantes.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">Prefere a camuflagem da meia morte</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">do que a companhia daqueles que dizem pensar</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">mas abocanham ferozmente os viventes </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">que ousem demonstrar </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">aos humanóides </span><span style="font-family: 'Courier New', Courier, monospace; font-size: large;">que ainda é possível sentir.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">*Série Poesia Zumbi.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-2805192441274129722014-05-02T19:54:00.002-07:002014-05-02T19:58:40.692-07:00AS CINCO PRAGAS*<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Dessa vez eu não vou esperar”, pensei. Quando ‘os velhos’ se distraíram, eu fugi da aldeia, com minha espingarda, uma mochila com meu inseparável caderno, uma porção de pão e um cantil. Hoje eu traria comida para casa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Quem sabe, se eu conseguir pegar um porco selvagem ou um veado campeiro, eles acreditem que já tenho idade suficiente para sair sozinho”, raciocinei com raiva. Afinal, eu já tinha provado que era bom de mira e sabia me cuidar no mato.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas nem tudo acontece como a gente planeja. Agora eu estava ali, empoleirado nos galhos de uma figueira brava, sem munição, desejando que minha mãe ou irmã percebessem minha falta e viessem me resgatar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“É Gabriel, não adianta chegar à idade da procriação. Um homem tem que saber se defender. Tu é bom de mira, mas continua burro e medroso”, pensei olhando para baixo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ao redor da figueira, cinco homens extremamente agressivos tentavam subir pelo tronco para me alcançar. Felizmente, eles não conseguiriam. Não tinham capacidade mental para isso. É esquisito. Mesmo raquíticos os homens eram rápidos e fortes. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Lidar com um deles era difícil, mas possível; tentar lutar ou matar cinco era suicídio, principalmente quando se estava sozinho, a única arma disponível era uma velha espingarda e o abobado que a carregava se esqueceu de trazer munição.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Usar uma faca? Nem pensar; um simples arranhão era fatal. Era matar as bestas ou se esconder num lugar inalcançável. Aí sim, usando algum tipo de lança, seria possível eliminar os homens esquálidos um a um.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No entanto, isso só poderia ser realizado se o idiota que resolveu sair sozinho, para provar que era macho, não tivesse esquecido a faca.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Quem ler essa porcaria, Gabriel, vai achar que tais falando de zumbis que dizimaram a humanidade”, eu ri depois de escrever esta asneira no caderno. No chão, os homens continuavam rosnando e arranhando o tronco da figueira.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Se o mundo tivesse acabado por causa de zumbis, duma invasão alienígena ou dum meteoro caindo na Terra e provocando outra era glacial, teria sido ‘normal’.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas, tudo foi diferente do que se esperava. Não foi um processo natural, com certeza, embora parecesse, e foi muito rápido. Se a gente parasse para pensar, as coisas que aconteceram pareciam mais com pragas do que com os problemas que surgiriam por causa de seres extraterrestres ou coisa semelhante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu não lembro como tudo começou. Eu não era nascido. Fiquei sabendo das coisas porque me contaram ou porque li em alguns jornais da época. As aldeias procuravam manter e passar informações umas para as outras, porque ainda havia pessoas que buscavam explicações para os eventos que viram. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Havia um sistema, entre os sobreviventes, para troca de notícias. Era demorado, mas até que funcionava bem. Quando um grupo recebia ou descobria alguma informação importante remetia para o outro grupo, que se encarregava de passá-la adiante.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ao contrário do que se esperava o ‘fim do mundo’ não tinha derrubado o fornecimento de energia elétrica, as comunicações por satélite e nem por telefone. Isso só aconteceu quando a população mundial diminuiu tanto que não houve como manter essas ‘futilidades’ funcionando.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">De qualquer forma, os grupos de sobreviventes conseguiram restabelecer a energia em seus locais de abrigo, com o uso de geradores, utilizando o combustível que existia, ou criando energia alternativa. Era possível uma pequena comunidade usar computadores, refrigeradores, até vídeo games, porque a energia solar ou eólica não era esgotável.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Com cuidado também era possível usar caminhões para buscar mantimentos em lugares distantes ou para que as aldeias pudessem trocar mercadorias. O escambo virou a nova moeda.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Diferente do que acontecia nos filmes e livros, eram poucos os grupos que saqueavam as aldeias. Isso porque as pessoas aprenderam a negociar ou a se defender. Mas o principal: havia poucas pessoas interessadas em se armar até os dentes para trucidar outras pessoas porque nenhuma comunidade era tão fraca e desamparada como se costumava imaginar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Claro, ainda aconteciam crimes graves e cruéis. Contudo, nas aldeias era mais raro isso acontecer. Parece estranho, mas num período que poderia ser chamado de ‘Segunda Idade Média’, as pessoas, pelo menos as que eu conhecia, haviam readquirido um pouco de sanidade. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ou seria humanidade?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então, como um cara de 15 anos, bom de mira, boa pinta e na idade da procriação acabou em cima de uma figueira brava, fugindo de homens ferozes?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Como eu disse a culpa foi do ‘fim do mundo’, mais conhecido como ‘As Cinco Pragas’. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi isso que causou o surgimento das criaturas que estão rondando o meu poleiro. Foi isso que causou ‘O Grande Deserto’, na América do Norte; ‘O Grande Tsunami’, na África, a ‘Grande Peste’, na América Latina; ‘A Grande Infestação’, na Europa, e ‘A Grande Guerra’, na Ásia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">As pessoas que viveram para contar a história das ‘Cinco Pragas’ dizem que cada ‘Cataclisma’ foi ‘anunciado’ por um fenômeno esquisito no céu, com certeza, causado por intervenção divina. Os cientistas diziam que, com exceção, da guerra na Ásia, todas as mudanças no céu tinham uma explicação lógica porque todos os fenômenos tinham origem natural.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas eu não me preocupo com isso. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu só sei que estou ferrado, porque esses caras aí embaixo não foram embora; porque está entardecendo e dormir nos galhos de uma árvore não é fácil, não. Se eu cair...</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas como eu dizia, tudo começou na América do Norte. Um dia, o céu amanheceu intensamente vermelho. O Sol parecia que tinha caído naquela região. A temperatura ultrapassou os 70º. Milhares de pessoas morreram de desidratação em poucos dias. O caos se instalou nos hospitais e entre as autoridades. Então, tudo voltou ao normal durante uma semana. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando as pessoas recuperaram a esperança, a temperatura começou a se elevar novamente. Após um mês, ela se fixou, tanto de dia, quanto de noite, nos 80º. As pessoas literalmente caiam mortas nas ruas, assadas ou desidratadas. Os velhos morriam primeiro, assim como as crianças. A vegetação praticamente desapareceu em poucos meses. Em questão de meses 50% da população norte-americana tinha morrido. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os sobreviventes acabaram descobrindo como se proteger usando o próprio calor como fonte de combustível para manter alimentos frescos e ter um pouco de refrigério da temperatura em combustão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas aí achar comida se transformou num problema. Mais 20% da população morreu de fome, outros 10% por falta de cuidados médicos ou por doenças disseminadas pelos corpos que ficavam onde caiam. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os restantes 20% se tornaram nômades, mudando-se de região em região para encontrar mantimentos. Muitos acabaram morrendo por causa disso. Desde então, os que restaram, a maioria homens, começaram a vir, pela fronteira do México, para os países da América Latina. A imigração tem sido permitida pelos grupos locais de forma gradual, para prevenir ‘problemas de adaptação’.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">No mesmo dia que o calor assolou a América do Norte, o céu na África apresentou um tom avermelhado, ao entardecer, típico daqueles que anunciam chuva pesada para o outro dia. Quando amanheceu, o céu estava praticamente escuro por causa das nuvens de chuva que se formaram no mar e se deslocaram rapidamente em direção ao continente. As pessoas se prepararam para as enchentes, comuns em determinadas épocas do ano naquela região.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas, não foi isso que aconteceu. Durante uma semana soprou um vento forte, que trouxe nuvens de granizo, que arrasaram as plantações existentes. Muitas pessoas e animais domésticos morreram por causa do tamanho das pedras de gelo que despencavam do céu. A ajuda humanitária não chegava à África porque o vento e o granizo não permitiam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enfim, o granizo passou. Apenas as nuvens ficaram rondando as pessoas, que olhavam desconfiadas para o céu, que continuou tomado pela escuridão. Aí começou a chover. Choveu sem parar durante um mês, causando grandes enchentes, deixando tribos e aldeias isoladas e sem alimentos, e propagando doenças sazonais entre seus habitantes. O número de mortos não pode ser contado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando a chuva parou, muitos africanos perceberam que deveriam sair da sua terra e procurar um local onde houvesse comida e tratamento médico. Começaram a marchar em direção ao Oriente Médio e a Europa. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi quando o “Grande Tsunami’ chegou.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os cientistas não conseguiram rastrear a origem da onda gigante. Parece que ela simplesmente se formou no Oceano Índico e se dirigiu à África. A onda atingiu cinquenta metros de altura e varreu o continente negro, arrastando consigo 70% da população que tinha sobrevivido ao granizo e as enchentes anteriores. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O resto dos africanos, que conseguiu sobreviver porque tinha alcançado um local seguro, esperou o mar voltar aos seus limites e retornou a terra natal para reconquistar o território. Mas a tarefa está sendo árdua, pelo que se sabe. Alguns sobreviventes de outros locais estão se mudando para a África, para fugir dos problemas de sua região e fazer algo de útil com a vida que têm agora.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“E eu, que queria tanto ser útil para minha aldeia, acabei me enfiando num problema que pode piorar a situação dela. Eu sou um idiota”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">De repente, sinto o silêncio ao meu redor. Eles foram embora! Agora eu posso voltar. Pode ser que ninguém saiba que eu fugi e aí não vou receber nem puxão de orelha.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu desço da árvore com cuidado, para não fazer barulho. Quase consigo. Acabo me enroscando com a mochila e a alça da espingarda. Só escuto o barulho do meu corpo, quando caí no chão, ecoando pela mata. Sinto uma dor terrível nas costas. Fico deitado tentando recuperar a respiração.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Acho que quero ficar aqui para sempre”, penso.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas aí eu ouço. Um barulho fraco na moita que está uns dez metros a minha frente. Abro os olhos e me sento rapidamente, apesar da dor. Olho para os arbustos, assustado. É quando vejo um deles aparecer.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Meus Deus! Como são terríveis!”, penso olhando o homem pestilento a minha frente. Vejo suas costelas salientes, seus dedos com unhas compridas, seus cabelos desgrenhados. A pele é acinzentada. Os olhos são totalmente pretos, vazios e opacos, com a loucura galopando neles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ele urra e eu me levanto esquecendo a dor e a espingarda. Começo a correr feito louco, ouvindo o tropel do pestilento atrás de mim. Logo, mais dois se juntam ao primeiro. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“E agora, para onde eu vou?”, me pergunto, começando a sentir a falta do ar nos meus pulmões. “Por favor, Deus, me ajuda. Eu prometo não desobedecer mais ‘os velhos’ se eu sair dessa. Por favor”. Eu tropeço e quase caio. Vejo por cima do ombro que agora são quatro pestilentos me perseguindo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Continuo correndo até que eu vejo uma chance de escapar. Quem sabe ainda dá tempo. Não sei como, mas consigo aumentar a velocidade. Chego perto das ‘Duas Pedras’. Um dos portos seguros da minha aldeia. A rocha tem salvado a vida de alguns dos nossos homens. Encontro a escada escondida no mato, apoio ela na beirada da rocha e subo rapidamente, puxando-a para cima, antes que as bestas consigam sequer tocar nela.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Me deito de costas na rocha e tento recuperar o fôlego. Os infectados, quatro metros abaixo, ficam gritando frustrados. Eu remexo a mochila; como um pedaço de pão e tomo um gole de água. O cantil está praticamente vazio. Fico preocupado, mas por hora posso festejar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Me debruço na beirada da rocha e observo os homens pestilentos. Então eu grito: </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-E aí, seus manés! Ainda não foi dessa vez que eu passei para o time de vocês! – fico jogando pedacinhos de pedra nas cabeças deles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“É Gabriel, isso sim é uma demonstração de maturidade!”, ouço meu lado responsável resmungando. Então me viro para o lado e tento descansar. Meu cérebro se pergunta quando minha irmã vai descobrir que não estou na aldeia e virá atrás de mim.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É nesse ponto que eu lembro como eu me tornei uma das ‘esperanças’ da minha aldeia. Eu não queria isso, naturalmente; eu queria apenas ser um guri normal, crescer, quem sabe ter uma família, um trabalho e curtir uma velhice bem comum.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas não deu para ser assim. Aliás, nenhum guri nascido na época das ‘Cinco Pragas’, ou após esse evento, tinha qualquer possibilidade de ser outra coisa além do que éramos agora. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Talvez pudéssemos escolher novamente daqui a cinquenta anos, quando encontrassem a cura para os infectados ou a população masculina da América Latina superasse o número deles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas eu acho que isso não vai acontecer, porque, mesmo com todos os cuidados, eu ainda vejo alguns homens mais velhos sumindo na mata e nunca mais voltando. Ou algum conhecido desaparecendo depois de uma caçada. Por mais que as mulheres nos cuidem, sempre ocorre um acidente, ou um desaparecimento. Não só onde vivo. Escuto dizer que essas coisas acontecem nas outras aldeias também. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Então, para que tanto cuidado? Não sei, mas elas, as nossas mulheres, precisam conservar a esperança. Só assim elas conseguem manter os homens vivos, pelo menos por tempo suficiente para gerarem um novo bebê.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas estou me adiantando. Retrocedendo um pouco.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">‘A Grande Infestação’ na Europa aconteceu pouco tempo depois dos eventos na América do Norte e na África. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Durante sete dias, uma cor azul-esverdeada tomou conta do céu do Velho Mundo. Também foi detectado um alto índice de pólen no ar e as pessoas sentiam um cheiro almiscarado, que deixava os animais desnorteados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Várias espécies de pássaros passaram a migrar para a Europa e infestaram as cidades. Cães e gatos domésticos começaram a atacar seus donos sem nenhuma explicação. Pessoas foram atacadas por enxames de abelhas, vespas, e outros insetos voadores. Surgiram nuvens de gafanhotos, tanto no campo, quanto na cidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Centenas de pessoas morreram por causa de alergias respiratórias, de picadas de insetos ou tiveram ferimentos graves por causa do ataque de seus animais. Os casos eram tantos que surtos de raiva se tornaram praticamente incontroláveis.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Enfim, os pássaros começaram a transmitir doenças para os seres humanos. Os ratos saíram dos esgotos com o triplo do tamanho e trouxeram a peste bubônica de volta. Os cães e gatos domésticos se tornaram totalmente selvagens e atacavam qualquer pessoa que cruzasse seu caminho. Houve uma invasão de animais selvagens na Europa com consequentes ataques mortais. E os bichos resolveram ficar na região.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A qualidade do ar piorou. Houve uma proliferação tão grande da vegetação que em poucas semanas a população precisou usar máscaras para respirar, até que chegou o ponto em que isso se tornou inviável.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Era como se uma redoma de vidro tivesse se formado ao redor da Europa. Quem não morria pelas patas dos animais que invadiram as cidades, visto que o número deles aumentou muito ao longo dos meses, morria em decorrência de doenças trazidas pelos bichos, pelas alergias ou pelo acúmulo de monóxido de carbono produzido pela vegetação, que era tão abundante que era impossível controlar sua proliferação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mais de 75% dos europeus morreu por causa de uma ou mais dessas situações. E o mais estranho, enquanto a vegetação vicejava e os animais se reproduziam rapidamente, os homens e mulheres se tornavam inférteis. Abortos espontâneos eram comuns.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Gradativamente, as pessoas foram deixando a Europa para as plantas e os animais e se realocando na África e na Ásia, onde tentam ajudar a reconstruir os dois continentes. Quem sabe um dia eles também possam voltar a ter filhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O último evento foi ‘A Grande Guerra’ na Ásia. Certo dia, embora o céu estivesse azul, começou a cair uma chuvinha fina, de aparência inocente. Os asiáticos se muniram com seus guarda chuvas e continuaram suas atividades. O chuvisco persistiu por sete dias. As pessoas perceberam que ela tinha um sabor de ferro oxidado. Alguns diziam que tinha gosto de sangue.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Depois disso, os militares decidiram que deveriam mirar seus mísseis em direção aos países vizinhos. Todos dispararam as armas simultaneamente, como se houvesse um acordo prévio. Em seguida todos os países da região entraram em confronto direto. Os civis eram imediatamente convocados. Quem não aceitasse fazer parte dos esforços de guerra era aprisionado ou fuzilado na hora. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A guerra foi tão intensa e rápida que em pouco tempo a população de toda Ásia se resumiu a 5%, formada quase exclusivamente por famílias, bem como por desertores das tropas. Esse grupo, de alguma forma, conseguiu chegar à região montanhosa do Nepal ou ao Continente Africano.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Escureceu totalmente e está frio, muito frio. Os carinhas pestilentos ainda estão lá embaixo. Eu preciso dormir um pouco, senão quem vai ficar louco sou eu”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Acordo ao amanhecer. Estou quase despencando das ‘Duas Pedras’. Me afasto da beirada antes que eu caia e acabe rachando a cabeça na queda; uma morte nada heroica. Olho para baixo. Os homens pestilentos não estão lá. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">“Hora de levantar acampamento”, penso com um pouco de autoconfiança brotando dentro de mim.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando pego a escada ela raspa na pedra e faz barulho suficiente para trazer de volta os meus ‘amigos’. Eu olho para o céu. Isso já está perdendo a graça.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Cadê minha irmã! – Grito como uma menininha. Fico sentado, com a cabeça apoiada nos joelhos, tentando achar uma solução. Olho para meu caderno e leio o que escrevi. Percebo que não contei o que aconteceu na América Latina. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Ah! Eu não quero morrer, sabia? Mas quem mandou dar uma de galo e sair sem dizer nada para alguém? – desabafo e volto para meu caderno.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Foi assim na América Latina. Na realidade, começou antes do evento na Europa. Segundo me contaram um dia o céu amanheceu com uma aparência leitosa, como se um recipiente cheio de leite talhado tivesse sido derramado na atmosfera.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Durante o dia, em várias cidades latino-americanas, começaram a surgir relatos de mães assustadas com o comportamento dos maridos. Elas encontravam os homens no quartos dos filhos, praticamente imóveis, apenas olhando para eles.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Depois elas ouviam choros, resmungos, gritos. Saiam em disparada até os quartos, onde encontravam os companheiros mordendo tanto as crianças, quanto os filhos mais velhos. Somente os de sexo masculino. Não eram mordidas que poderiam arrancar pedaços das crias, mas deixavam marcas e dores no local. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">As esposas perguntavam o que estava acontecendo. Os maridos não diziam nada. Seus olhos estavam totalmente escuros, vazios e opacos. Eles deixavam a casa e não voltavam mais. Muitos se matavam se ainda tinham um resquício de sanidade, outros apenas se enfiavam no mato e desapareciam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Alguns dias depois, as crianças ou adolescentes mordidos acabavam como os pais. Parece que eles transmitiam algum veneno para a corrente sanguínea dos filhos. As mulheres não eram infectadas. Nem homens acima dos sessenta anos. Tinha iniciado ‘A Grande Peste’. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Em decorrência, muitos homens acabaram se matando com medo de terem a doença e a transmitirem para os filhos. Em poucos anos a população masculina da América Latina diminuiu bastante, seja por causa dos suicídios coletivos, seja por causa do ataque dos homens pestilentos que infectavam os machos sadios, adultos ou crianças. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por fim, se tornou primordial deixar as cidades, que se tornavam armadilhas para os homens e crianças. Mas as mulheres e os homens idosos demoraram um pouco a perceber que tinham que proteger as aldeias que surgiram contra os pestilentos ou evitar que os meninos andassem sozinhos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Depois de alguns anos, chegou-se a um consenso: as mulheres e os homens não infectados deveriam fortificar as defesas das aldeias, combater os homens pestilentos e ensinar os filhos homens a sobreviverem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os meninos só poderiam sair da aldeia quando completassem cinco anos e sempre acompanhados. Nessa idade começavam a receber treinamento de sobrevivência: aprendiam a caçar e a se defender dos infectados, o que consistia basicamente em fugir, enquanto as mulheres e os idosos tratavam de eliminar o inimigo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Com o tempo os guris aprendiam a matar as bestas de forma segura. Mas eles só podiam enfrentar os doentes a partir dos quinze anos, o que coincidia com a principal responsabilidade dos homens que chegassem a essa idade: escolher uma companheira para gerar o primeiro filho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Se fosse menina seria bom. Mas se fosse homem era melhor ainda. Depois disso o menino-homem-pai poderia sair da aldeia com mais tranquilidade e até morrer sem peso na consciência, afinal havia cumprido seu dever. Contudo, esperava-se que ele sobrevivesse mais tempo, para gerar outros filhos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Portanto, todo menino era treinado para ser responsável e não sair por aí, como eu, querendo dar uma de macho, colocando as gerações futuras em perigo de extinção.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">É óbvio que eu ainda não cumpri meu dever com minha aldeia. É óbvio que se minha mãe ou irmã me encontrarem são e salvo vão me dar uma coça. É ainda mais certo que elas me encontrem infectado e acabem com minha vida miserável sem pestanejar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Apesar de toda minha ironia, não é fácil viver hoje. Não é fácil ver as coisas que acontecem. Não é fácil ter esperança. Mesmo assim, eu não quero morrer. Por isso, eu preciso sair daqui. Eu quero voltar para casa e ver minha mãe e irmã. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas os homens pestilentos estão aqui embaixo e eu ainda não sou bom o suficiente para matar um deles, quem dirá quatro. Minha mão toca a escada e tenho uma ideia. Eu só preciso afastar eles das ‘Duas Pedras’. Então, quebro a escada conseguindo criar uma ponta aguçada num pedaço de madeira. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas como afastar aquelas criaturas? Será que sangue resolve? Afinal, eles só mordem homens, deve ter algo a ver. Pego meu cantil. Rasgo a palma da mão com a ponta da caneta, o que dói muito, e esfrego meu sangue no objeto. Deixo os pestilentos sentirem o cheiro. Eles enlouquecem. Depois eu jogo o cantil o mais longe possível, no meio dos arbustos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Os manés correm para o local. Parece que não sou tão burro. Quando eles se afastam o suficiente, eu atiro a lança improvisada para baixo, me penduro na borda da rocha e me jogo em direção ao chão. Sinto uma fisgada no tornozelo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas não tenho tempo para gemer. Eu vejo um pestilento voltar correndo. Levanto e me preparo para atingir o cretino. Acerto o golpe na lateral do crânio dele, que cai esparramado no chão. Eu começo a me afastar, mas a fera se levanta muito rápido. A loucura não conhece limites.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Começo a retroceder, mantendo a visão voltada para o homem que atingi. Ele está vindo em minha direção. Minhas costas se chocam com a rocha das ‘Duas Pedras’. Não tenho saída. Só me resta tentar um último golpe. </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Quando ele chega perto de mim eu faço um movimento de baixo para cima e enfio a ponta da lança na garganta do pestilento. Ele treme alguns segundos e cai sem se mexer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Eu queria comemorar. Mas os outros pestilentos estão se aproximando. E a lança está na cabeça do que eu matei. Agora é tarde. “Me perdoa mãe, me perdoa maninha”. E fecho os olhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Ouço o pipocar de uma arma. Três balas, três baques surdos contra o solo, três pestilentos mortos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Elas surgem da mata, junto com dois homens idosos da aldeia, aqueles que são responsáveis pelo meu treinamento. As caras de todos estão fechadas numa expressão zangada. Eu só sinto alívio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Mãe! Cris! – eu queria abraçá-las, mas elas não deixam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Elas sabem que eu estava com medo, mas não me consolam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">- Eu sei. Eu não deveria ter saído sem avisar! Prometo que não vou fazer mais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Realmente não vai. – diz minha irmã. – A partir de hoje podes sair com mais frequência. O teste de sobrevivência foi um sucesso. Tens passe livre agora. Resta saber se vais passar no teste de ‘produtividade’. – Cris fala debochando.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Então foi por isso que vocês não chegaram antes? – eu não tinha vontade de reclamar, nem de replicar o deboche da Cris. Eu entendia que aquilo tinha sido necessário.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Vamos voltar. Ainda tem a cerimônia da noite. – Minha mãe fala.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Durante nosso regresso Cris me diz que notícias importantes chegaram. Tinham a ver com os nômades da América do Norte. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">-Então aproveita para cumprir bem tua responsabilidade maninho. Em pouco tempo não haverá mais escassez de homens e aí os garotinhos perderão a vez. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace;">*Este conto foi escrito cerca de dois meses atrás, num surto de hiperatividade (escrevi em apenas um dia) para participar do "Desafio Literário" do Blog EntreContos. Foi realmente muito legal ter participado. A história recebeu várias críticas positivas e negativas, inclusive sobre os absurdos que contém, o que também era proposital. O tema era sobre fim do mundo, me parece que diante deste fato nada pode ser absurdo, pois qualquer coisa pode acontecer. Além do mais, a história é narrada por um adolescente que alega ter informações precisas sobre os fatos, mas terá realmente? Apesar de eu ter consciência de que a história, de fato, precisa ser melhor trabalhada, devo dizer que me diverti muito ao escrevê-la e deixei as possíveis contradições aqui, visando, quem sabe, voltar a ela no futuro e aprimorá-la.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-69977823784146507492014-01-26T05:57:00.000-08:002014-05-25T18:51:41.259-07:00OS QATRO<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela estava muito cansada. Seu corpo suava em bicas. O estômago não parava de protestar por causa da fome. Seu cérebro acelerava e desacelerava ininterruptamente, causando um redemoinho de sensações e pensamentos qe dava ânsias de vômito.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">No entanto, ela não podia se dar ao luxo de parar, mesmo qe estivesse caminhando há horas. Apesar da exaustão, da dor nas pernas e braços, no pescoço e nos olhos, naqueles olhos qe o medo tornava ainda maiores e mais escuros, ainda mantinha um passo rápido e constante. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela precisava chegar até sua casa. Lá, poderia descansar, forrar a barriga com algum alimento e encontrar uma relativa segurança, mesmo qe por pouco tempo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Dobrou mais uma esquina com grande esforço. Se conseguisse manter o ritmo por mais alguns metros estaria salva. Sua casa estava localizada qatro qadras adiante, embora o caminho até lá não fosse linear. Ela estava fazendo um percurso diferente do qe costumava realizar, embora mais demorado. Talvez assim tivesse uma chance de chegar a sua residência antes qe eles a alcançassem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Novamente ela tentou entender porqe eles faziam isso, mas não conseguiu. Já tentara de tudo para se livrar daqela perseguição. Tentara conversar com eles, depois fizera denúncias, com direito a retrato falado, fornecimento de endereços a polícia, mas esta ou não localizava aqeles que a perseguiam ou não se esforçava suficientemente para isso, o qe era o mais provável. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A situação já durava dois anos e nenhuma solução foi obtida, apesar do medo qe sentia e dos ferimentos qe surgiam em seu corpo como prova dos ataqes. Por isso desistiu de procurar as autoridades. Preferia sofrer sozinha a ter qe ouvir o qe diziam.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Já era noite. Havia escurecido tão rapidamente qe ela nem percebeu, até porqe, além do esgotamento físico, estava usando óculos de sombra. Seus olhos andavam muito sensíveis a qalqer tipo de luz. Ela usava os óculos inclusive dentro casa, fosse dia ou noite. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Sua cabeça estava coberta com o capuz do moletom qe usava por baixo de uma jaqeta de brim puída nos cotovelos e nos punhos, qe levava seguidamente a boca para não ficar mordendo os dedos. Usava calça jeans e um par de tênis “AllStar” velho e sujo, mas confortável. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Devido à situação qe enfrentava estava usando a mesma roupa há qatro dias. Ela se sentia imunda, nojenta, com cheiro de bicho porco. Qeria um banho com urgência.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Já era noite. De agora em diante, qalqer coisa poderia acontecer. E qando dobrou uma esquina ela teve a confirmação desse fato. Estava há duas quadras de sua casa. Parou num canto escuro para identificar o próximo ponto alternativo do caminho. Mas percebeu algo estranho iluminado pela luz de um poste justamente no local que pretendia alcançar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Lá estavam eles, os qatro elementos que a vinham perseguindo há cerca de 24 meses. Estavam totalmente imóveis, como estátuas seculares, formando uma fila, lado a lado, seus olhos brilhantes de escuridão: um homem, duas mulheres e um ser qe ela não conseguia definir a qe sexo ou gênero pertencia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Era tenebroso vê-los, mesmo visto a distância, mesmo sem saber como explicar o como ou o qanto. Seus trajes eram estranhamente familiares. Ela sentia que já tinha visto aqelas roupas em algum lugar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A garota colou instintivamente o corpo contra a parede da casa da esqina, onde se propagava um negrume pior qe o breu. Qeria acreditar qe eles não tinham visto sua figura magra e frenética pela indecisão e medo em qe vivia. Observou os qatro indivíduos. Estavam de cabeça baixa e nada falavam entre si, embora ela qase conseguisse ler seus pensamentos. Sentiu um arrepio percorrer sua espinha.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">“E agora o qe eu faço?”, se perguntou aflita. “O qe eu faço, o qe eu faço, o qe eu faço”, ecoou enquanto estalava os dedos repetidamente. Qando produziu o último estalo qe seus dedos poderiam suportar, uma das figuras levantou a cabeça e olhou de forma fulminante para o lugar escuro qe ela estava usando como camuflagem.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A moça sentiu o elemento esboçar um leve sorriso e cutucar a companheira ao lado, qe levantou a cabeça e reproduziu o gesto até qe o qarteto inteiro passou a mirar seu esconderijo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela apertou os olhos com força. Talvez eles sumissem como já havia ocorrido antes. Qando levantou as pálpebras, a decepção cobriu seu corpo como um manto grudento e sufocante. Aqelas criaturas ainda estavam lá, agora gargalhando do seu desespero e se empurrando exaltados, porque sabiam como ela se sentia. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Eles farejavam o cheiro de medo, que seus poros exalavam, como cães prestes a entrar numa rinha. Então, um silêncio nefasto surgiu entre as aberrações e resvalou pela rua. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Os qatro olharam para ela até perfurarem sua alma. O primeiro começou a caminhar lentamente em sua direção, sendo seguido pelos companheiros, mantendo a distância de três passos entre si. Qando eles faziam isso a sensação de desconforto a pressionava como um torno: ver um tigre saltando sobre o corpo dela já era ruim; três, então, acabavam com sua sanidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela olhou para os lados, apavorada. Descobriu as luzes fracas duma lancheria barata a meia qadra de onde se encontrava. Não raciocinou. Apenas saiu em disparada até o lugar, embora tivesse qe passar por baixo das luzes dos postes, revelando totalmente sua presença física para seus inimigos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Enqanto corria, espiou por cima do ombro. Notou as sombras profanas começando a correr. E eles se aproximavam muito rápido. “Oh, Meu Deus! Eles qase voam!”, pensou tropeçando por causa disso. Mas recuperou o eqilíbrio automaticamente, alcançando a porta da lanchonete antes do qe esperava. Entrou sem olhar para trás.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">As pessoas observaram a figura desgrenhada, qe se jogou de supetão para dentro do bar, intrigadas e, ao mesmo tempo, entediadas pelo efeito da bebida ou qalqer outra coisa qe pairava no ar e deixava o ambiente meio velado. Depois voltaram indiferentes ao qe estavam ou não fazendo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela procurou e encontrou a mesa mais distante da porta, localizada num canto escuro da lancheria. Sentou-se e ficou olhando a janela irreqieta. As sombras, com seus corpos pesados de uma maldade que se espalhava pela rua, passaram correndo: a qarta, a terceira, a segunda e a primeira... a primeira parou diante da vidraça por alguns segundos. Ficou perscrutando e farejando o ambiente baço.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Qando a garçonete chegou a sua mesa para perguntar sobre seu pedido, aqela coisa fixou os olhos no canto em qe ela estava. Assustada com sua aparência a atendente perguntou se a cliente estava bem. Ela olhou a garçonete de relance e apontou a vidraça com um dedo trêmulo. A criatura sorriu de forma maligna e sumiu repentinamente no exato segundo que a funcionária voltava os olhos para o lugar apontado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">- Moça, não tem nada lá. – a garçonete falou, tentando acalmá-la. Disse qe traria um copo de água porqe ela parecia sedenta. Ela concordou, pois era verdade. Antes da atendente ir, a moça fez seu pedido. Sabia qe não conseguiria aguentar mais um segundo sem colocar algo sólido na barriga.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela devorou a comida rapidamente, qase como um animal. Pediu mais uma torrada, porqe ainda não tinha saciado a fome de dois dias, e uma garrafa de água mineral para levar. Qando terminou, olhou a janela por algum tempo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Levantou-se da mesa e se aproximou da porta de saída. Espiou a rua pela vidraça. Nenhum sinal das sombras qe a atormentavam há dois anos. Vinte e quatro meses de correria, sons qe não conseguia saber de onde vinham, de machucados espalhados pelo seu corpo devido aos ataqes qe sofria, de fones enfiados nos ouvidos com música tocando no último volume, porqe, qando andava nas ruas e os via na outra calçada, gritando seu nome, palavras ofensivas e juramentos de qe ela iria acabar se juntando a eles, era insuportável demais.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Dois anos desde qe chegou em casa e encontrou o seu gatinho na porta dos fundos, com o pescoço torcido e cortes, cicatrizados ou ainda abertos, espalhados por seu corpinho. Ela teve qe enterrá-lo no fundo do pátio, chorando sozinha, pois perdera seu único amigo. Para seu horror, no local encontrou a sepultura de alguns ratos, outro gato e um esqeleto qe não conseguiu identificar a qe espécie pertencia, embora desconfiasse.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Precisou mudar de residência, indo morar na casa velha de uma periferia afastada e decadente, onde tentava chegar agora. Sabia qe lá estaria bem, poderia dormir e esqecer por um tempo aqele horror em qe estava vivendo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Então, tomou coragem. Abriu a porta da lanchonete com brusqidão e disparou rua afora. Não ouviu nenhum barulho estranho, nenhuma rizada grotesca, nenhum som de passos correndo atrás dela. “Acho qe eles desistiram por hoje”, pensou um tanto aliviada, mas sem criar grandes esperanças.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Chegou em casa com os nervos despedaçados. Pelo menos estava salva da malevolência dos seus perseguidores. Abriu a porta, praticamente saltando para dentro do recinto, fechou-a, passando a chave nas duas fechaduras, prendendo o pega-ladrão e colocando as barras atravessadas na parte superior e inferior da porta. Tinha certeza qe eles não conseguiriam arrombar a entrada dessa vez.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Encostada na porta ela percebeu qe há qatro dias eles a estavam perseguindo muito mais acirradamente qe nos dois anos anteriores. Contudo, a caçada ficou pior nos dois últimos dias, depois qe ela tinha voltado do médico.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Por fim, a moça se jogou no sofá velho qe estava na sala e onde, muitas vezes, passava a noite porqe tinha medo de dormir sozinha no seu qarto. Este tinha uma janela ampla, sem persianas. Somente umas cortinas velhas e gastas impediam qe a privacidade fosse totalmente devassada por qalqer vizinho mais curioso. A luz da lua entrava sem pudor no ambiente, como se qisesse desnudar a força seu corpo, criando sombras nos cantos qe a deixavam terrivelmente assustada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A guria somente dormia no dormitório qando chovia. Gostava de ver os pingos batendo contra os vidros da janela, fazendo plic plec no telhado, molhando as folhas da antiga figueira qe fora plantada pelos anteriores proprietários da casa no quintal amplo. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A chuva lhe dava paz. Eles nunca apareciam em dias chuvosos, certamente porqe não havia cantos escuros onde eles pudessem se esconder e ficar a espreita dela.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Enfim, ela adormeceu. Um sono entremeado de dor e medo, com visões de feras e sangue manchando as paredes da casa e o piso. Acordou repentinamente, soerguendo o corpo molhado de suor, no exato momento em qe ela ia soltar um grito, enqanto o sangue empoçado escorria em direção aos seus.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Comprimiu os olhos com força, contendo o grito qe fez força para repercutir na sala. Ela detestava gritar desde qe era menina. Sempre aguentara no osso do peito várias coisas sem soltar um gemido seqer. Diziam qe era orgulhosa por causa desse seu hábito. No fundo, ela simplesmente não conseguia externa nada do qe sentia, mesmo nas ocasiões qe um berro faria bem a alma.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Balançou a cabeça para afastar esses pensamentos do cérebro acelerado. Era mais tarde do qe supunha, como pode comprovar ao olhar o relógio de parede. Jogou os pés para fora do sofá, sentando-se e apoiando os braços nas pernas, devido a tontura que sentiu.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">“Eu sei do qe to precisando”, pensou, enqanto se levantava e tentava firmar o tronco sobre as pernas trêmulas e os pés trôpegos. Cambaleou até a porta da cozinha e apoiou-se no batente, olhando para o interior daqele cômodo semiescuro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Sobre a mesa uma caixinha branca cruzada por uma faixa preta. Infelizmente, precisava do conteúdo dela. Rumou até a geladeira para pegar água. A sede persistia e a água ainda seria necessária para engolir as bolinhas. Abriu o refrigerador, mas não tinha nada dentro, líqido ou sólido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">“Preciso comprar comida”, pensou desanimada. Então, lembrou-se da água qe trouxera da lancheria e deveria estar na sala. Começou a se dirigir para lá, tonta e experimentando uma leve ânsia de vômito, qando sentiu um cheiro estranho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mirou o chão. Havia uma poça enorme. Abaixou-se e tocou na umidade que via. Era grudenta, com um cheiro de ferro oxidado, mas não conseguia identificar a cor ou o qe seria. O mal estar aumentou. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Resolveu limpar a bagunça depois. Levantou-se e foi até a sala, pegou a garrafa de água e voltou para a cozinha, a vontade de expelir algo aumentava dolorosa e gradativamente. Tropeçou numa cadeira perto da mesa. Firmou as mãos nesta para não cair, sentindo dor na canela qe se enroscou com a cadeira.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Foi quando ela viu: a porta dos fundos estava escancarada, permitindo qe a luz da lua incidisse sobre a poça no chão, uma poça vermelha como sangue.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela caiu sobre os joelhos, as mãos desabando sobre o líquido no piso, e vomitou, uma vez, depois outra, encima do sangue coagulado. Qando não restava mais nada no estômago para ser rejeitado, aprumou o corpo, levando as mãos grudentas aos cabelos. Ficou sentada alguns segundos, se balançando desesperada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Por fim, rastejou até a porta aberta. Pretendia fechá-la, mesmo correndo o risco de descobrir qe eles estavam dentro da casa. “Qe me matem de uma vez”, pensou com raiva. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Nunca chegou a fechar a porta. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Sobre o tapete de entrada ela viu algo branco, felpudo e imóvel. O pescoço está torcido e cortado de uma forma bizarra. Ferimentos se espalham pelo corpinho, os olhinhos verdes fixos numa expressão de medo, dor e incredulidade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">-Puff! - a garota exclamou em agonia. –Puff, me desculpa. Olha o qe aqeles deesgraçados fizeram. Puff! – ela repete o nome diversas vezes, aconchegando o gatinho morto em seu colo, em meio às lágrimas qe escorriam por seu rosto pálido e encovado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Pegou o tapete com cuidado. Puff estava morto, seu único amigo, seu último consolo em meio ao caos em qe vivia. “Morreu sendo torturado por qatro aberrações da natureza”, ela pensou com raiva, caminhando para o fundo do qintal onde, como já havia acontecido na outra casa, iria enterrar o qe restou do seu bichinho de estimação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela parou no canto mais escuro do terreno. Ali havia terra fofa porqe ela pretendia cultivar um peqeno jardim. A pá, com a qal a guria remexera a terra antes da sua fuga alucinada, ainda estava encostada no muro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Pegou a ferramenta e começou a cavar. Depois de alguns minutos de trabalho, parou e olhou para o tapete. Ajoelhou-se, desembrulhou o gatinho e alisou seu pelo. Acabou de abrir a cova com as mãos, sujando a cara, misturando o sangue em seu cabelo com terra, o qe deixou seu rosto asqerosamente manchado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Retirou mais um pouco de terra do buraco. Encontrou a ponta de um tecido. Parou um instante a tarefa de coveira e olhou desconfiada para o pano encardido, mas qe já havia sido imaculadamente branco. Foi abrindo um espaço maior em volta daqela ponta até formar um qadrado qase perfeito. Era um lenço.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">-Mas o qe? – murmurou baixinho, observando o local, com um misto de curiosidade mórbida e medo daquilo qe poderia estar debaixo do pano. Notou qe num dos cantos do lenço havia uma anagrama bordado: “AB”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Lutou com a vontade de sair dali correndo e deixar tudo para trás, fugir para um lugar isolado, silencioso e nunca mais voltar. Contudo, a necessidade de saber o qe estava acontecendo, e a curiosidade natural qe tinha desde criança, venceram a batalha. Ela puxou a ponta do lenço vagarosamente, até descobrir a terrível verdade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O horror tomou conta dos seus olhos, da sua boca e ouvidos e roubando sua voz.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Debaixo da terra fofa, do lenço encardido, um rosto contorcido pela dor e surpresa. Uma boca aberta, deixando expostos dentes qe se arreganhavam num esgar qe implorava misericórdia. No pescoço outra boca se abria, formando um qase sorriso, como a debochar da brutalidade com qe a vida daqela mulher havia sido ceifada.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">-Oh! Deus! Minha irmã! – ela repetiu algumas vezes, sendo invadida por uma sensação de entorpecimento. E alisava aqele rosto sujo de terra e sangue, num desespero cruel, qe tornava impossível sentir alguma dor.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">-Foram eles, não foram? Eu te avisei. Eu sei qe foram os monstros. Sinto muito. Desculpa. Eu já devia ter acabado com eles. A culpa é minha, é minha, é minha...- dizia para o cadáver de olhos esbugalhados.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A garota ouviu um som às suas costas. Virou-se rapidamente e os viu, saindo do interior da casa e parando perfilhados perto da porta. A luz da cozinha incidia por detrás dos qatro, escurecendo ainda mais suas caras terríveis, ressaltando o brilho perverso dos seus olhos e o contorno de suas bocas vorazes.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela conseguiu ver em detalhes as roupas qe eles vestiam, identificando as mesmas finalmente: todas deveriam estar em seu guarda roupa. Pelo visto, a gangue acreditavam qe tudo qe sua presa possuía também pertencia a eles. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Enfim, devido a proximidade, agora ela também conseguia descrever as criaturas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O líder era um homem. Sobre os cabelos, levemente compridos e de tom castanho, ele usava um chapéu de abas largas, com uma delas caindo parcialmente sobre o rosto, lhe dando um ar mais amedrontador ainda. Seu corpo era coberto por um capote de couro, uma camisa azul onde se via uma grande mancha escura, uma calça jeans batida, um cinto onde pendurava a bainha de uma faca, e botas pretas de couro e bico fino com ponteiras de aço. Ele media aproximadamente um metro e oitenta.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A mulher a seu lado deveria ser sua parceira e a segunda em comando. Trajava um vestido vermelho acima dos joelhos, qe valoriza seu corpo esbelto, e sapatos de salto alto. Seu cabelo negro, liso e comprido contrastava com a pele extremamente branca qe parecia cintilar a luz da lua. Sua boca cheia esboçava um sorriso irônico. Seus dedos terminavam em unhas qe pareciam garras, embora não fossem excessivamente longas. A mulher se postou ao lado do chefe tão imóvel quanto uma estátua.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A segunda fêmea era mais baixa qe a primeira e um tanto roliça. Seus cabelos claros batiam na altura dos ombros, eram levemente encaracolados e estavam desgrenhados, como se ela vivesse puxando e enroscando os fios. Vestia uma calça de brim rasgada em alguns pontos, uma camiseta com uma frase em inglês, e tênis ‘AllStar”. Ela se balançava um pouqinho, como se estivesse impaciente, enqanto segurava a mão da primeira mulher. Parecia uma menina desamparada e, ao mesmo tempo, a fúria em pessoa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Não era possível distinguir a qe sexo pertencia a última criatura. Tudo em seu ser era andrógeno, desde o corte dos cabelos ruivos até as roupas qe vestia. Esbelto, flexível, e mais alto que o líder, tudo nele ou nela (qem sabe ambos?) era voraz e serpenteante. Talvez sua boca fosse a maior que ela já vira em sua vida. Nenhuma palavra conhecida seria capaz de descrever corretamente essa aberração. Isso a tornava a mais assustadora de todas. Tudo indicava qe este último ser poderia devorar o qe encontrasse a seu redor: sem medo, sem culpa, sem compaixão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela começou a recuar, arrastando seu corpo dormente com a ajuda dos pés e das mãos, até qe suas costas bateram contra o muro no fundo do pátio. Não tinha mais para onde ir. Limitava-se a balançar a cabeça em negação, porqe agora sabia que não restava nada qe pudesse fazer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O líder sorriu. Com um comando imperceptível ele determinou qe todos começassem a andar vagarosamente na direção dela. Um passo de cada vez. Repentinamente começaram a correr. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Os movimentos feitos por seus perseguidores desencadeou um flash na mente da guria, levando-a a descobrir como sua irmã morreu. Foram eles, os qatro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">As aberrações haviam invadido sua casa alguns dias atrás, durante uma visita de sua irmã. Ambas estavam discutindo como sempre acontecia. Os qatro surgiram dos cantos escuros da casa, um a um, enqanto ela tentava avisar AB da presença deles. Sua irmã não acreditou ou não os viu a tempo, como ocorria desde que a sua desgraça começou.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O qarteto riu, debochando do aspecto e do pavor de AB. Depois saltaram sobre sua irmã e bateram nela até qe seu corpo tombasse no chão, sangrando. AB implorava para qe aqilo parasse.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O líder se ajoelhou ao lado dela e puxou a faca da bainha, encostando o gume no pescoço da sua irmã. Tapou a boca dela e foi cortando sua garganta lentamente. Uma mancha se fixou na camisa daqele ser grotesco e uma poça começou a se espalhar pelo piso da cozinha.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mas foi nas mãos da garota perseguida qe o sangue de AB grudou. Foi nela qe a violência deixou marcas arroxeadas na pele dos braços, peito e pescoço.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O flash terminou em frações de segundos. As aberrações se aproximavam cada vez mais. Agora corriam sobre suas mãos e pés, feito macacos enraivecidos. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Os qatro saltaram sobre ela ao mesmo tempo, antes qe pudesse gritar por ajuda.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Eles a devoraram em qestão de minutos e sumiram. Sumiram para sempre nas trevas existentes entre a cova descoberta e o muro do qintal.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Uma hora depois uma pessoa se levantou com dificuldade. Suas roupas eram de couro, jeans e seda vermelha. Seus cabelos possuíam mexas de várias cores. Seus lábios eram vermelho sangue e os olhos profundamente escuros e perversamente brilhantes. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A pessoa olhou para a cova e o rosto qe nela se encontrava. Com a biqueira de aço da bota empurrou um pouco de areia sobre a cara desfigurada de AB, rindo um risinho baixo e frio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Por fim, começou a caminhar em direção a porta da cozinha, percorreu o interior da casa, abriu a porta da frente e saiu para a madrugada qe estava se transformando em dia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Agora, mais um monstro estava caçando na cidade.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-70057819528547084752014-01-16T12:54:00.003-08:002014-01-16T13:01:19.306-08:00GANIDOS*<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O medo gane lá fora</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> desconsertado pela fome</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">de não ter um ser vivo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> para enraivecer.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Os corpos esquálidos perseguem</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> ratos, cachorros, gatos</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">seja o que lá encontrarem </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> para mastigar</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">e mesmo assim seu apetite não será saciado</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O medo geme em silêncio no quarto</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> transformado em bunker</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Dois ou três indivíduos restaram no vilarejo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> entocados, emagrecidos, alucinados</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">vendo a morte caminhar pelas travessas</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"> sem ninguém para a deter.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">*Escrita para a série Poesia Zumbi.</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-13366003290642589982013-11-24T04:36:00.001-08:002013-11-24T04:36:54.163-08:00JOANA<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Hoje vou falar de Joana.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Joana terminou o ensino fundamental e o ensino médio. Trabalhou por um tempo como vendedora numa loja de sapatos. Por mais que ela amasse essas maravilhas, que enfeitam os pés femininos, e comprasse um par por mês, ela não era boa para efetuar vendas.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Foi demitida três meses depois.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mas Joana precisava trabalhar, então, foi contratada como caixa operadora num supermercado, primeiramente através de um contrato de experiência. Depois, como conseguia ser mais eficiente nesta função do que na primeira, foi contratada definitivamente. Além do que, ela era bonitinha, disse alguém da supervisão.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Esse era um trabalho estafante, mais que escravo. Mas ela aguentou as pontas e as reclamações, muitas vezes infundadas, de clientes e supervisores, principalmente de um deles, chamado Antônio, que vivia pegando do pé dela, apesar deste ser aquele que disse que ela era engraçadinha.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Antônio reclamava de Joana acintosamente, não porque ela fosse demorada no atendimento dos clientes, chegasse atrasada, ou tentasse sair mais cedo.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Joana era realmente trabalhadeira.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">O supervisor a incomodava porque Joana não queria sair com ele para jantar e, muito menos, para uma esticada até o apartamento sala-cozinha de Antônio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ele tinha raiva dela porque ela o rejeitava.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Joana tinha nojo dele porque ele gostava de se aproveitar das funcionárias, ao menos de algumas, porque sempre havia aquelas que topavam qualquer coisa, inclusive sair com um cara esquisito como o Antônio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mas Joana precisava do trabalho. Então, aturava o carrasco do supervisor, procurando impor respeito. Afinal, ela ainda deixaria aquele trabalho sem remuneração digna, por mais de 8 horas diárias, sem direito a um intervalo decente para almoçar ou para ir ao banheiro.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Então, neste ano de 2013, Joana resolveu tentar o ENEM para uma profissão comum, mas importante. Queria ser professora. Era seu sonho de menina da periferia. As colegas de trabalho riam dela e tentavam fazer Joana aceitar as investidas do Antônio. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Afinal, porque se matar estudando, se um cara qualquer podia sustentá-la?</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mas ela preferia não viver assim. Joana queria uma vida decente, com uma profissão decente, que fosse importante para ela e para outros, mesmo que a maioria da população não reconhecesse isso. Além disso, o asco pelo supervisor era muito grande, porque ele parecia um maluco enrustido. Contudo, ninguém acreditava em Joana.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ela passou no Enem, com muita dificuldade, mas passou. Foi para o serviço feliz e contou para as colegas, que deram os parabéns com inveja e deboche entrelaçados como serpentes nos ninhos.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Antônio ouviu e ficou irado. Mas guardou seu rancor para si. Durante o expediente ele convidou Joana mais uma vez para sair. Ela rejeitou o convite e ainda mandou o supervisor pastar.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Joana já estava cansada daquele assédio para o qual os demais superiores do supermercado faziam vistas grossas e não se importavam em por um fim. Antônio ameaçou demiti-la. Ela disse que já não se importava, que já tinha coisa melhor em vista.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Antônio se afastou da caixa operadora cheio de uma violência que deixava seus olhos vermelhos. Não falou mais com a guria durante o expediente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">No final do dia Joana já estava preparada para a demissão, mas não foi chamada no escritório para tratar do assunto. Saiu do supermercado meio aliviada, afinal ainda precisava do trabalho.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Quando chegou na esquina, onde a luz do poste estava queimada, sentiu seu braço ser puxado e encarou um par de olhos vermelhos de ódio. </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Era Antônio.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Ele a puxou para um terreno baldio e fez o que bem entendeu com o corpo da Joana. Depois a matou. Estrangulada. Ficou chorando ao lado do corpo até que a polícia chegou e o levou para a Delegacia.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">As colegas de trabalho foram chamadas para responder perguntas desnecessárias, afinal as provas demonstravam claramente o que tinha ocorrido.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Mas as colegas, seja por inveja, seja por desprezo, disseram que Joana era uma devassa, que vivia provocando o coitado do Antônio, que era casado e fiel a esposa, até que ele não aguentou e fez a barbaridade que fez, mas, coitado, tinha sido atormentado por mais de um ano, até enlouquecer.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">A polícia, certamente, indiciou Antônio, que era primário, tinha emprego, família e moradia. Foi sentenciado a pena de prisão em regime fechado, mas em seguida progrediu de regime e passou para o semiaberto. Voltou a trabalhar no mesmo supermercado onde continua atormentado uma ou outra funcionária mais medrosa.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">Joana foi enterrada num caixão dos mais baratos. Não tinha pai e a mãe acreditou que a história que as colegas de trabalho contaram na Delegacia sobre sua filha era verdade.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">“Afinal, quem mandou uma guria de família ir morar sozinha? Quem mandou ela não se casar e ainda querer fazer faculdade? Só podia acabar assim mesmo”.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: x-large;">É que a progenitora de Joana costuma comentar com as vizinhas, na vila em que mora há mais de 30 anos e onde sua filha cresceu.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-26669220029516032702013-11-17T12:59:00.000-08:002013-11-17T13:17:54.260-08:00TEORIA DA TRÍADE ZUMBI<div style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">1.É preciso estar vivo e ser infectado por um vírus desconhecido, ou, ao menos, se conhecido, sofreu uma modificação tão grande que dificulte sua identificação.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">2.É preciso morrer por causa do vírus, ou outros motivos, e voltar a viver quase sem nenhuma função cerebral.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">3.É preciso morder outro ser humano, que vai ser infectado, morrer por causa do vírus ou outro motivo, e voltar a viver, para infectar outros, e assim sucessivamente.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Conclusão:</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">1. Frankenstein, embora sendo um morto-vivo, nunca foi, não é e nunca será um zumbi.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">2.Nem todo canibal que anda por aí é um zumbi.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">3.Nem todo ser humano se torna um zumbi.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Why? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">I don't know!</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Mas, com certeza, um zumbi pode ser regenetizado.</span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Como? </span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span></div>
<div style="text-align: justify;">
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Aguardem.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-4880938334208378282013-11-16T17:46:00.000-08:002013-11-17T06:15:10.135-08:00POESIA ZUMBI II<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Vou vagando sem destino</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O sangue coagulado nas veias</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">um coração que não bate</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">O cérebro perdeu as estribeiras</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Não restam memórias para sorrir</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">o dia não passa para meu corpo vazio</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Congelando no tempo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">a alma a se corromper</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">a dor de ter sentimentos</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">já não existe</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">e não há piedade</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">em quem parece um lobo mais que selvagem</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">devorando outros sem comoção</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">A consciência já quase não existia antes</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">e a perdida civilização levou o resto</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Por isso não há arrependimento</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">para quem morreu e devora o próximo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">como único meio de salvação.</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Se antes as emoções estavam quase apagadas</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">agora estão mortas porque o mundo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">apagou a humanidade que antes eu tinha</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Agora é só devastação</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;"><br /></span>
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Agora é quando os zumbis criados </span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">andam pelo mundo</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">esquecendo quem eram</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">e apenas devorando o que encontram</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">seja animal ou pessoa</span><br />
<span style="font-family: Courier New, Courier, monospace; font-size: large;">Sem qualquer compaixão.</span><br />
<br />
<br />
<br />Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-35035386631660447632013-11-10T04:17:00.000-08:002013-11-10T04:17:18.031-08:00A TIA<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">O dia estava muito bonito. As pessoas
caminhavam tranquilamente na pacata cidade no domingo ensolarado. Ela curtia o
sol, sorrindo feliz pelo fato de poder desfrutar uma folga, enquanto fazia
jogging às 7h da manhã num dia de verão tórrido.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Mas aí o celular resolveu criar
vida. “Droga, porque eu tinha que trazer esse negócio comigo”, pensou
contrariada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">No entanto, atendeu. Era seu dever,
fazer o que. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Alô? Sei, mas hoje é minha folga.
Sim... entendo. Realmente é muito triste. Chegarei as 8h30, está bom? Estou um
pouco distante de casa. Ok. Até breve.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ficou contrariada, mas a situação
que interrompeu seu domingo sorridente era totalmente imprevisível, por isso
ela decidiu perdoar os patrões.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Creio que fariam o mesmo por mim,
se eu estivesse na mesma situação”, raciocinou para se consolar, embora não
acreditasse muito da bondade do casal que a contratara. Mas, enfim, nem sempre
as aparências correspondem à verdade sobre as coisas, os fatos e as pessoas.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Chegou em casa, tomou um banho
rápido, trocou sua roupa pelo uniforme e saiu em disparada pelas ruas de Rio
Grande, com sua Biz. Chegou pontualmente na casa em que trabalhava. O casal já
a esperava na sala com a porta aberta. Tinham uma expressão de lástima e dor
estampada na cara, vestiam roupas num tom sóbrio de cinza.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Bem, ela ainda está dormindo.
Sentimos por interromper teu descanso...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Tudo bem. – Ela disse. – Nessa
situação dessas eu não deixaria vocês na mão. Podem ir, e sinto muito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Eles balançaram a cabeça em
assentimento. Um olhar de gratidão refletiu nos olhos da patroa, enquanto ela
derramava algumas lágrimas. Saíram, entraram no sedan preto. O patrão deu a
partida e o carro deslizou rua abaixo, em direção a um lugar que ninguém
gostaria de visitar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela suspirou, fechou a porta e se
dirigiu para o andar de cima. Bateu de leve na porta do quarto e entrou.
Observou um monte debaixo do cobertor, encolhidinho. Como era estranho: as
pessoas vão encolhendo a medida que envelhecem. Parece que o corpo voltava,
gradualmente, a infância, só que agora todo enrugado.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Aproximou-se da cama e sentiu um
leve ressonar. Os cabelos branquinhos que apareciam ali lhe despertavam certa
ternura, pelo menos enquanto sua dona dormia. Quando estava acordada, a velha,
às vezes, podia ficar bastante irritante ou tornar-se furiosa. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela estava entrando nos estágios
finais do Mal de Alzheimer, com todas as mazelas que essa doença traz. No
entanto, ainda tinha alguns momentos de lucidez. Nessas ocasiões era possível
ver a pessoa que ela fora um dia: de personalidade forte, mas gentil.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela checou alguns medicamentos e
horários de administração. Estava tudo sob controle. Os patrões também já
tinham dado o café da manhã para a senhora acamada. De fato, apesar de suas
desconfianças, o casal ajudava a cuidar bem da sua paciente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Então, a velhinha acordou. Ela
percebeu pela mudança do ritmo da respiração. Ficou preparada para um dos
surtos matinais da enferma, ainda de costas, estudando as informações sobre a
cômoda. Respirou fundo e se virou. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela encarou os olhos da senhora,
mas, ao contrário, eles estavam tranquilos, plácidos, quase sãos. “Acho que
vamos ter uma manhã boa, hoje”, ela pensou um tanto contente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Bom dia, tia! – exclamou
sorridente e em tom carinhoso, mas profissional. – A senhora dormiu bem? Como
estamos hoje? <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Dormi bem, sim, minha filha. – a
tia respondeu com uma voz nem fraca nem forte, uma voz que todos os idosos têm,
no entanto, hoje levemente chiada, barulho que vinha do seu peito, mais
precisamente, e afetava as cordas vocais da velhinha, estranhamente recuperada
nessa manhã de tristeza para sua família. – Só tive um sonho meio esquisito.
Sonhei que minha irmã havia falecido, depois de pegar uma febre terçã. Dizem
que isso é sonho ruim. Mas eu não acredito nessas bobagens, não, viu? Não
precisa ficar com medo. Mas me lembra de telefonar pra ela mais tarde. Deve ser
saudade esse aperto no peito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Coitada, quando souber, não quero
nem ver. Se bem que ela pode esquecer do telefone a qualquer momento. Amanhã,
ela nem vai lembrar do sonho”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Pode deixar tia, eu lembro a
senhora sim. Quer sentar em sua cadeira agora e ir lá pra baixo comigo? Podemos
ouvir música como da última vez ou ver televisão. Melhor! Ver um daqueles
filmes antigos que a senhora gosta.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Ah! Eu gostaria sim, minha filha.
Vamos ver filmes. – e a velhinha riu, seu risinho de velhinha que parece que
vai praticar um grande delito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Então vamos lá. – Ela disse,
ajudando sua paciente a trocar de pijama, depois puxando a cadeira de rodas
para perto da cama. Segurou a velhinha por baixo dos braços e levantou-a. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Estranho. Ela está um pouco
quente”. – pensou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Tia, a senhora está se sentindo
bem?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Sim, minha filha, somente com um
pouquinho de frio. Podemos levar meu cobertor vermelho lá para baixo? Acho que
vai chover, sempre sinto frio quando vai cair chuva.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Sim, tia, levamos sim. – ela
colocou o cobertor sobre as pernas da velhinha e pegou o termômetro para medir
a temperatura da enferma no andar debaixo, quando ela já estivesse acomodada
diante da televisão.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Após os preparativos e quando o
filme já estava rodando no blue-ray, ela disse para a tia:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Vou colocar o termômetro para ver
sua temperatura, a senhora está um pouquinho febril. Não tira do lugar, ok?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Ok, minha filha. – disse a
velhinha sorrindo para a tv e para a acompanhante. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Ela está bem lúcida hoje”, pensou
a jovem contente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Hum, eu gosto muito desse filme. –
A tia disse. – Filme de terror muito bem feito. Boris Karloff era um dos meus
atores preferidos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela sorriu da lembrança da tia.
“Que doença estranha, faz a gente lembrar de coisas sem importância e esquecer
o que importa. Isso é tão triste. Maldição por não terem encontrado a cura
ainda”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela preparou uma xícara de café e
sentou no sofá, ao lado da cadeira da velhinha, que olhava com olhos
arregalados a televisão, com o mesmo medo do filme, como quando ela o viu pela
primeira vez.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">A acompanhante notou a doente
coçando calmamente o braço. Estranhou o gesto, porque a tia não tinha o hábito
de se arranhar. Ela pegou o termômetro antes de verificar o machucado que
estava incomodando a velhinha.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Temperatura: 38,5°.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“A tia está com febre. Melhor eu
dar o remédio antes que piore”. Ela buscou o comprimido e disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Tia, toma esse remedinho aqui. A
senhora está com um pouquinho de febre e não queremos que isso piore, né?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Não, não queremos, minha filha,
isso deixaria meus sobrinhos muito preocupados. Eu não quero incomodá-los hoje.
Eles precisam descansar também. – a tia disse totalmente lúcida. – Sim, acho
que tenho um pouco de febre mesmo, está tão frio. Tem mais um cobertor? Ah!
Essa é a parte que mais gosto do filme. – disse apontando para a tela onde se
via uma criatura se arrastar pela sala de uma casa, pegando uma pessoa pelo pescoço
e...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela percebeu que a senhora coçava
com mais força o braço. Resolveu verificar o que era.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Quando arregaçou a manga do pijama
ela notou horrorizada a marca de dentes no antebraço branquinho da senhora. Ao
redor da mordida via-se um tom avermelhado como se fosse gangrena e pequenas
veias, que iam estourando aqui e ali, se espalhando pela região como um mapa
macabro.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Tia, quem fez isso com a senhora?
– ela perguntou, com medo de descobrir que, na realidade, aquele casal que a
contratara e parecia se importar com sua paciente, eram dois sádicos que
gostavam de torturar seres indefesos.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">A velhinha olhou para o local que
ela apontava e disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Não sei, minha filha, apenas
acordei hoje e vi isso aí. Será que um rato me roeu durante a noite?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Não, isso é uma mordida de gente.
Foi a senhora que fez?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Não, não. Apenas apareceu aí, não
sei como. – a tia respondeu calmamente. – Mas não se preocupe querida, logo a
ferida se cura, sempre fui muito rápida em me curar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Ok. – ela disse para não alarmar a
velhinha. – Vamos fazer um curativo pra senhora não ficar coçando o machucado,
senão vai piorar. A febre deve ser disso.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela buscou os apetrechos e fez uma
limpeza no local. Quanto mais ela limpava, mas porcaria saia. Ela começou a
ficar preocupada, e com nojo, mas resolveu passar uma medicação e cobrir o
local temporariamente, até ver se a febre baixava.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Se não melhorar, eu levo ela ao
hospital. Acho que vou ter que conversar seriamente com os doutores”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">O tempo transcorria lentamente e o
filme parecia nunca acabar. Ela quase adormeceu no sofá. Lá pelas 11h da manhã
ela olhou a velhinha, que havia parado de coçar o braço e ria até não poder
mais com o filme, que já estava sendo reprisado automaticamente pelo aparelho.
Ela olhou para a tv, havia sangue e alguns corpos mutilados pelo cenário.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela olhou para sua paciente. Notou
que a tia estava enrolada em três cobertores.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Eu não lembro de ter dado três
cobertores para ela”, a acompanhante raciocinou assustada. “Ou dei e não me
lembro? Afinal, acho que dei uma cochilada aqui. Também, era dia de folga e não
tive tempo de dormir para me recuperar”.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela tocou a face da tia e sentiu
que estava pegando fogo. “Meu Deus a febre aumentou”. Mediu a temperatura dela
outra vez: 40°.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Tia, a senhora está bem? A sua
febre aumentou muito.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Estou menina, não me incomode. –
disse a velha um pouco mais agressiva do que o normal. – Hum, tu é bem
branquinha, como aquela atriz ali do filme. E tão apetitosa...- a tia riu um
riso gutural, olhando para ela como se fosse um pedaço de carne.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-A senhora não está bem, não, vou
chamar seu médico. – A acompanhante disse rumando para o telefone.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Não precisa fazer isso, não
menina.– a velhinha berrou.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;"> Quando já estava alcançando o aparelho, ela
ouviu um rangido. Parou e olhou para trás. Ficou aterrorizada.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Já estou bem, já estou bem,
menina. Não vê? – disse a tia em pé dirigindo-se devagar em sua direção.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Minha filha, acho que lembrei quem
me mordeu. – disse a velha assustada. - Foi minha irmã, durante o sonho. Ela
esteve aqui e me mordeu. Doeu muito. Ela foi muito má, muito mááááááááá.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela prolongou a última sílaba,
ficando com a boca aberta. Do orifício negro começou a escorrer uma baba
esverdeada. A tia estacou repentinamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Ela viu a velha revirar os olhos,
fechar e abrir a boca, deixando escapar um oooohhhh, misto de dor e rugido. A
tia caiu no chão. Seu corpo começou a tremer incontrolavelmente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">“Convulsões!”, ela pensou enquanto
corria até o corpo caído para sentir a pulsação, que estava bastante fraca. Os
tremores pararam. A tia olhou para ela, como a implorar ajuda.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">A respiração da velha parou
totalmente. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Assim como seu coração. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">E a temperatura do corpo começou a
baixar a velocidade da luz.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">A acompanhante levantou e foi até o
telefone. Digitou um número e disse:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Por favor, preciso com urgência de
uma ambulância, minha paciente teve uma convulsão. Rápido, acho que ela está
tendo uma parada cardíaca também.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Enquanto ela dizia o endereço para
a atendente do serviço de emergência, sentiu, mais que ouviu, um barulho
arrastado a suas costas. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">A atendente, do outro lado da
linha, repetia o endereço informado lentamente, lentamente.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Sim é esse mesmo, por favor...<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Então a acompanhante foi puxada e
empurrada contra o armário por um braço com uma força sobre-humana. Ela só teve
tempo de ver uns olhos cheios de sangue, sentir o fedor que vinha daquela boca
esverdeadamente podre e a dor quando os dentes da tia se cravaram em seu rosto,
arrancando um naco da sua carne branca e apetitosa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Do outro lado do telefone, a
atendente ouviu um grito pavoroso, depois o barulho do telefone batendo contra
algum móvel, enquanto ela repetia:<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">-Alô? Alô? O que está acontecendo
aí? Alô, alô?<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">Lá fora, o sol tórrido de verão
continuava a brilhar. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: "Courier New"; font-size: 14.0pt; line-height: 150%;">O céu mantinha seu azul feliz sobre
os habitantes da cidade gris. </span></div>
<div class="MsoNormal" style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin-bottom: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: 'Courier New'; font-size: 14pt; line-height: 115%;">Enquanto isso, a tia
saia para caçar na rua tranquila em que morava.</span></div>
Unknownnoreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-4525109422048194151.post-83337136365556815132013-11-02T10:03:00.000-07:002013-11-02T10:04:06.684-07:00NOVIDADE!<div style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: 'Courier New'; line-height: 150%;"><span style="font-size: large;">É com grande alegria que informo aos leitores e
seguidores do blog que estarei participando mensalmente, todo dia 03, da
Revista SAMIZDAT.<o:p></o:p></span></span><br />
<span style="font-family: 'Courier New'; line-height: 150%;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: 'Courier New'; line-height: 150%;"><span style="font-size: large;">Convido os amigos e leitores a prestigiarem não
apenas o meu trabalho, mas também o trabalho dos demais escritores que compõem
essa excelente revista literária.</span></span><br />
<span style="font-family: 'Courier New'; line-height: 150%;"><span style="font-size: large;"><br /></span></span></div>
<div style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: 'Courier New'; line-height: 150%;"><span style="font-size: large;">Fica aqui o link para quem quiser curtir e seguir.</span></span><span style="font-family: Arial, sans-serif;"><o:p></o:p></span></div>
<div style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: 'Courier New'; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><br /></span></div>
<div style="line-height: 150%; margin-bottom: .0001pt; margin: 0cm; text-align: justify; text-indent: 1.0cm;">
<span style="font-family: 'Courier New'; font-size: 14pt; line-height: 150%;"><a href="http://www.revistasamizdat.com/" target="_blank">http://www.revistasamizdat.com/</a></span></div>
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