segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

PROVE QUE VOCÊ NÃO É UM ROBÔ

Com certeza aquela frase em destaque na tela do PC era uma das que mais o estava angustiando atualmente quando ele precisava realizar qualquer ação no ciberespaço, onde se recreava e também exercia a maior parte das suas atividades profissionais.

A frase fonte de sua angústia, segundo sites de hospedagem de páginas e redes sociais, servia para proteger os proprietários dos sítios e blogs dos ataques de vírus virtuais que roubavam dados do PC hospedeiro, causando sérios danos ao usuário da rede. Contudo, a bem da verdade ela lhe causava mal estar, desassossego. MEDO.

No começo ele não compreendia de forma clara porque tinha essas sensações quando via aquelas palavras surgirem diante de seus olhos. Mas hoje, de alguma forma, um indício do que poderia ser havia surgido em sua mente hiperventilada e ele entendeu qual a fonte do receio.

A maldita frase levantava um questionamento e gerava uma dúvida que era exposta de forma indecente em suas letras pretas grifadas em negrito na janela aberta dos sites que ele visitava. Isso transtornava suas emoções, em geral já agitadas, porque o fazia refletir, perguntar se ele seria capaz de provar que não era o que ela infirmava ou que era o que ele acreditava ser.

"Prove que você não é um robô".

Um simples frase, absurda na maneira como era formulada e na ordem que continha. No entanto, as palavras faziam com que ele ficasse sempre alguns segundos a meditar e a dizer para si mesmo:

"Eu sei que não sou. Mas como comprimir esses botões para reproduzir o 'captcha' prova isso 'pra eles', se até robôs podem ser programados para apertarem teclas?"

Percebeu, então, que a oração que via era afirmativa, indutiva e, provavelmente, criada para fazer o leitor respondê-la mecanicamente. Entretanto, ele não era mecanicamente programado; sua mania de questionar o levava a tecer pensamentos e teorias desconcertantes que contribuíam para que ele ficasse ainda mais desconfortável com aquela situação.

Isto transformou seus dias, antes calmos e rotineiros em sua agitação convencional, numa enxurrada de dúvidas, desconfianças, calafrios e teorias conspiratórias que estavam quase afetando sua sanidade. Se é que ele possuía alguma. Chegou a um ponto em que, o simples fato de chegar perto do micro, já fazia seu estomago embrulhar. 

Não conseguia encarar aquele comando e respondê-lo sem sentir-se totalmente desprotegido, quase como se estivesse nu diante de uma platéia que o olhava e o ridicularizava por seus receios infantis.

Mas ele necessitava prosseguir. Por isso, digitava os símbolos o mais rápido possível para poder continuar com suas tarefas tentando assumir uma posição equidistante de tudo aquilo.

No entanto, e como de praxe acontece, toda ordem indutiva e toda dúvida silenciosa, quando conjugadas, acabam gerando reações inesperadas, contundentes e conflitantes entre si.

Assim, a frase simples quando lida, e que se tornou sua grande dúvida existencial, destravou algum mecanismo de defesa psíquico em seu cérebro, antes fortemente protegido, e o fez lembrar do que havia soterrado sob toneladas de escombros de sua memória.

Lembrou nuvens deslizando rapidamente pelo céu. De um dia de chuvisco cinza em Big River. De um estrondo. Da cor vermelha se esparramando no chão e de dois manequins destroçados em meio a pista de rodagem da Br 392. Recordou que não conseguia lembrar de nada, exceto que era alguém que um dia estava enfrentando a estrada molhada e, um mês depois, parecia que tinha acordado e não sabia mais nada do que tinha acontecido no intervalo de tempo entre a pista escorregadia e alguma coisa batendo.

Rememorou que alguém lhe tinha dito que ele era casado e tinha um filho, mas achava estranho chegar em casa e não encontrá-los: nem  esposa e filho, nem fotografias. E isso lhe trazia ao nariz o cheiro quase palpável de pneus queimados misturado com vômito e odor de uísque.

Depois, depois não sabia explicar direito o que vinha, a não ser um mal estar imenso e a sensação de culpa por alguma coisa que havia perdido.

Enquanto pensava nisso tudo, no micro, lá estava a horrível frase:

"Prove que você não é um robô".

"Prove que você não é um robô".

"Prove que você é um robô".

Ele chegou a conclusão de que deveria ser um, por isso não conseguia digitar a palavra chave para postar naquele blog. Sentiu sua personalidade se desfazer por completo, ouviu seu corpo ecoando estalidos, rangidos de ferro contra ferro e seu cérebro produzindo sua linguagem através de informações codificadas em bites e pixels.

Ele segurou firmemente os braços da cadeira em que estava sentado, começou a hiperventilar e suar copiosamente. Levou a mão ao peito sentindo a pulsação estranha e uma dor terrível se espalhando pelo tórax, pressentindo que ele ia explodir a qualquer segundo e mostrar seu interior repleto de fios, conexões, tubos e chips. Emitiu um grito alucinado que escapou por sua garganta e... 

E então, ele acordou assustado, levantando de supetão a cabeça pesada. O corpo empapado de suor, mas preservado, o coração batendo seu descompasso humano, uma pequena poça de baba sobre a mesa onde sua cabeça caíra naquele sono cheio de pesadelos de recordações sem sentido.

Ele se levantou, percebendo o desconforto de ter dormido naquela posição inadequada toda a noite percorrendo o seu corpo. Por isso esticou seus membros e seus músculos relaxaram um pouco. Sentia dor no cérebro bastante acentuada.

Observou que a frase ainda estava grifada na tela do PC: "Prove que você não é um robô".

Ele meditou por um segundo. Depois estendeu lentamente seu braço e desligou o computador. Pegou sua jaqueta de couro e sai para a rua. Iria caminhar e sentir o sol ou a chuva em seu corpo frágil.

Enquanto caminhava sentia o prazer de ouvir seu coração batendo naquele compasso regular, como a máquina de um relógio, sem cordas: uma batida, um fluxo de sangue, outra batida e outra corrente do líquido vermelho chegando aos vários órgãos de seu corpo. Colocou a mão sobre o peito, sorrindo aliviado. 

Foi quando ele ouviu o som quase inaudível e descobriu a verdade.