sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

DESLEMBRANÇAS

Preferia a saudade.

Era melhor que esse vácuo que sentia toda vez que saia de casa ou voltava pra ela e se encontrava com a solidão cara a cara. 

Era estranho porque nada havia acontecido, nunca haviam trocado mais do que conversas e sorrisos. Algumas confidências talvez. Nunca tinham tido uma história, nem havia uma música que falasse a seus corações, que sempre haviam batido separados, embora parecessem, às vezes, tão próximos.

Então preferia que tivesse continuado a sentir apenas saudade do pouco que havia acontecido, e dos sonhos do que poderia ter sido.

Saudade era melhor que esse vazio seco, como se concreto tivesse sido derramado no interior do seu corpo e solidificado tudo, deixando sua mente pesada pela falta de sensações.

E aí o que acontecia? O vácuo era preenchido pelo que via, ouvia ou lia.

As músicas que ouvia, os livros que lia, os filmes que via, as melodias que dançava se tornavam as histórias, as músicas, os filmes, as danças que deveriam ser parte da história que poderiam estar vivendo. Era o vácuo sugando algo para alimentar uma escuridão infindável, uma ausência que nunca poderia ser suprida mesmo quando se encontravam.

Mas tudo piorava quando sonhava. Como ontem havia sonhado.

Duas pessoas, frente a frente, apenas falando, olhos nos olhos. E uma simples frase dita, que poderia ter um significado oculto, ou não:

“Nós temos tantas afinidades. Tantas... E a partir de hoje teremos mais afinidades ainda!”

Poderia ser uma premonição. Seria tão reconfortante. 

Toda a excitação da expectativa retornando. Toda a saudade preenchendo novamente o que não mais existia, ou nunca havia existido. Seria intensamente maravilhoso. Sentir a vida novamente fluindo pelas veias, pelo simples fato de que um pouco de esperança voltava a existir.

Olhos nos olhos, todos os significados passam a existir. Ou então o inconsciente os cria, porque um sonho nada mais é do que um desejo repercutindo na escuridão da mente. 

Contudo, não era nada disso. Era apenas o vácuo, simplesmente o maldito vácuo de algo inexistente, se autopreenchendo com coisas que nunca aconteceriam.

Por isso preferia a saudade. Essa é substancial. É palpável. Ainda possui um que de esperança. Saudade não te devora, apenas dói, mas te concede lembranças.

Mas o vácuo que sentia... 

Só produzia em si uma vontade ensandecida de se vingar. Já que seus sentimentos estavam concretados, a única maneira de quebrar esse estado era matar ou morrer.

Decidiu pela primeira opção.Iria vingar-se até extinguir a vida de quem lhe esnobava.

Sua felicidade seria tão evidente que sufocaria o vácuo, a criatura que amava e o universo, num poço de inveja e incerteza sobre os motivos que causaram tal êxtase em si.

Depois, depois seguiria sua vida. Esvaziada de toda essa paixão sangrenta.

Quem sabe, então, pudesse recomeçar outra história, ou voltar a criar outro romance, para preencher o espaço que seu coração redivivo precisaria para continuar batendo.

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